Conteúdo da Apostila - Tópicos Especiais II - Parte III -
Curso de Capacitação em Psicanálise- SPOB-POLO/RS
Psicanalisar é uma tarefa árdua e
muitas vezes impossível em qualquer idade do paciente. O que se tem observado é
que a psicanálise permanece e o empenho dos psicanalistas tem sido válido na
maioria dos casos, portanto a velhice também poderá fazer parte desta tarefa árdua.
As pessoas de mais idade, ou os idosos podem ser curiosos, talentosos,
criativos e motivados para um tratamento como outras em qualquer idade,
apresentando resistências à transferência como outros, mas também podem
manifestar um constante desejo de se proteger das perdas e uma necessidade
constante de e continua de reparar e restituir. Para os pacientes idosos o
tratamento se constitui uma segunda chance, de mudanças, como para o terapeuta
é uma chance de analisar aspectos do seu self que não puderam ser adequadamente
elaborados, estando ele em uma fase da vida mais próxima á do paciente.
Muitos idosos vivenciarão sua
velhice sem grandes obstáculos, preservando suas capacidades internas, Segundo
Eizirik (1998), na medida em que eles reconheçam o que há de bom dentro de si,
e que possam avaliar suas limitações de forma realística, mantendo a capacidade
de amar e ser amado. Este tipo de paciente pode se envolver mais com suas
questões pelo sentimento de que possa ser esta a ultima chance, ou “não há mais
tempo a perder” pode fazer surgir no terapeuta o sentimento de que seu paciente
está mais envolvido no trabalho e poder desfrutar dessa proximidade que ele
oferece.
Mesmo com idade avançada o idoso é
capaz de assimilar novas representações de objeto em sua estrutura psíquica,
através da análise das ansiedades infantis e da diminuição do poder arcaico das
imagos parentais. O desenvolvimento de novas sublimações e as modificações do
ego ideal e da auto-imagem pode facilitar o crescimento do ego. O idoso pode
experimentar um novo sentido da própria identidade e de seu valor. O tratamento
vai tendo resultados, considerando a entrada em contato com a origem interna do
alívio e do bem-estar, o tornam mais seguro sem a constante necessidade de
garantia do outro, e não se sentir invadido pelo medo da solidão ou aumento de
uma incapacidade, podendo gerir sua vida de forma mais segura.
A transferência do paciente idoso
como a de qualquer outro tipo de paciente, ignora as diferenças de idade
cronológica do par analítico. As necessidades de amor, aceitação, compreensão e
proximidade persistem por toda a existência, mas no paciente idoso as
resistências como a defesas costumam ser mais intensas e causam um impacto
maior no terapeuta, podendo reativar as relações parentais deste. Sob estas circunstancias, com estes
pacientes, a neutralidade pode ficar mais difícil de ser mantida e ser motivo
de desafio e entusiasmo, como também, dar origem a pensamentos de “término”.
Pode ocorre uma quantidade de catexia residual que ocupa maior espaço e emoção
do que ocorre com pacientes mais jovens, devido à possibilidade maior de
encontrar novos objetos.
O idoso mantém a característica do
seu caráter por isso sua transferência não é muito diferente do que se
procurassem o tratamento em tempos anteriores, pois os rígidos, inflexíveis e
obsessivos na juventude, provavelmente continuarão assim na velhice, como
também aqueles que foram sexualmente ativos na juventude continuarão assim na
velhice, segundo Cath e Miller (in: Chachamoviich, 2000). O “espelho” da
transferência- contratransferência permite ao paciente idoso reencontrar as partes
perdidas do seu self, onde o que é admirado e invejado no terapeuta pode ser
apenas o “reflexo de sua imagem perdida” vista no espelho, como também, poderá
ver no analista, aspectos relacionados ao envelhecimento e à proximidade da
morte que são negados, cindidos e projetados. O papel do analista é perceber
quem o paciente idoso deseja que esse espelho reflita, a fim de ser capaz de
revelar ao mesmo e promover o encontro da sua imagem interior com a sua imagem
exterior.
O analista do paciente idoso pode se
perceber colocado face a face com desafios de sua independência, ficando
vulnerável ao ultraje ou insulto narcísico quando o paciente (velho) à sua
frente evoca preocupações com o processo de envelhecimento, em especial se o
terapeuta for velho ou mais do que o seu paciente. Os momentos de doença
física, e são mais freqüentes no paciente idoso, às vezes este precisa mais do
que a terapia, um cuidado ou olhar a mais o que leva o terapeuta se gratificar
em poder ajudar o doente (físico), mas isso poderá dificultar o retorno á
neutralidade numa doença ameaçadora. A contratransferência será dificultada e
pode ocorre um “cosificar” esse paciente devido á fragilidade que aparenta,
levando o terapeuta a tratá-lo como propriedade sua e que precisam cuidar, como
também, se deixarem seduzir pela gratificação recíproca de ser cuidador nos
momentos de crise.
Um dos aspectos ligados á realidade
externa do paciente idoso, é o impacto do isolamento e da segregação social com
a perda de papeis na família, no trabalho e na comunidade. O impacto destas
perdas torna-se central no trabalho terapêutico, segundo King (1980), tanto se
estiverem relacionadas ao declínio do funcionamento físico ou mental, como se
relacionados à perda de objetos significativos. Segundo os estudiosos da
velhice, as perdas são identificadas como os principais estressores nesta fase
da vida e a possibilidade de sua reparação é uma das principais tarefas
evolutivas nessa etapa, o que pode dificultar o trabalho pelo efeito cumulativo
das perdas que vão ocorrendo na Cida e estarem centradas no próprio individuo.
No trabalho terapêutico com o
idoso às vezes é preciso preservar as ilusões para que possa lidar com o
próprio envelhecimento e com a morte, pois é
importante lembrar que enquanto houver esperança haverá vida. Na
contratransferência o analista pode o seu paciente como um de seus genitores
enfraquecido o que pode despertar o desejo de entrar como o “salvador” do
paciente, se colocando como supervisor extrapsicoterápico do paciente.
Na pessoa de idade é mais rara a
neurose de ansiedade, o que se torna mais comum é a ansiedade concernente ao
medo da morte, como também, a ansiedade no paciente idoso está fortemente
relacionada á realidade, o passado existe como o substrato de sua identidade, o
tempo provoca a erosão nas recordações, mas enriquece o sentido e a
continuidade desse passado, a esperança predomina sobre o medo, a esperança
predomina sobre o medo, tornando o processo de envelhecimento é mais rido de
significado.
Uma das ansiedades do idoso está
relacionada à perda de potencia sexual e o impacto que esta possa causar nos
relacionamentos. Um paciente de 78 anos chega à clínica com a seguinte queixa:
“Estou entristecido, doutor. Não consigo mais ter relações sexuais com minha
mulher duas vezes por semana. Imagino que ela está me achando velho e
impotente”. Essa queixa evidencia não só a continuidade da atividade sexual
nesta fase da vida, como o impacto do esfriamento da potencia sexual. Surgem
também os temores em relação às alterações corporais decorrentes do
envelhecimento e que podem interferir no intercurso sexual, bem como as doenças
físicas causadoras de limitações de várias ordens. Somado a isso a idéia
cultural da velhice assexuada, segundo Eizirik e colaboradores (2001), e em
decorrência a baixa da auto-estima decorrente das modificações corporais que
afastam do ideal de beleza da juventude tão valorizada na sociedade atual.
No contexto social, influenciado
pelo arquétipo do velho um ser assexuado, o idoso pode ser visto
inconscientemente, com o objetivo de evitar o confronto com os próprios
conflitos concernentes às figuras parentais, representadas no idoso. A
contratransferência do analista o que pode surgir é esse olhar do “velho um ser
não-sexual” com a expectativa não-realística de que o idoso viva além do pecado
e do sexo como os anjos. Essa visão e esse sentimento do terapeuta no campo,
pode representar uma extensão da visão de sobre seus próprios pais como pessoas
não interessadas em relações sexuais.
O mito do velho assexuado tem sua
gênese na negação da sexualidade dos genitores, quando nas crianças, que
emergem da latência, já cansadas pelas buscas e construções de suas teorias
sobre as origens da vida, e estão lidando com a revivência do interesse sexual,
contudo pode acontecer que com esse tipo de pacientes antigos conflitos
edípicos do terapeuta sejam renovados e que o exame aberto da sexualidade do
paciente venha provocar ansiedade. Assim
quando o paciente velho é visto como um ser “não-sexual” o analista se defronta
com as mesmas demandas para examinar a contratransferência. Muitas vezes as
questões de saúde e viabilidade dos parceiros provocam o declínio sexual do que
propriamente a idade.
Nas configurações transferenciais
possíveis na psicoterapia com o paciente idoso ou mais velho, é comum que ele
veja o terapeuta, se mais jovem como seu filho, e isso possa causar um
constrangimento que impeça a contratransferência e o terapeuta se sinta
limitado em sua compreensão e no uso de suas interpretações. É preciso
compreender a qualidade da transferência que está causando a inibição,
considerando que mesmo os filhos são alvo de múltiplas projeções por parte dos
pais. Assim pode ser entendido que se o paciente velho vê seu terapeuta como
filho, este deve identificar que filho é esse, se idealizado, ausente,
desvalorizado, dependente ou se provedor. Na verdade o terapeuta mais jovem que
o paciente, não terá vivenciado muitas situações relativas ao processo de
envelhecimento, experiência marcada e complexa quanto mais avançar. O
importante nesse tipo de relação é a empatia, entendida como uma combinação de
identificação, imaginação e intuição.