INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quinta-feira, 17 de março de 2016

A Neurose


A título de conceituação de neurose, lemos no Vocabulário de Psicanálise de Laplanche e
Pontalis:
Afecção psicogênica em que os sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o desejo e a defesa”.
Já Maud Mannoni, no seu ‘A Primeira Entrevista em Psicanálise’, delicadamente nos diz:
nem toda a criança tem a oportunidade de guardar, de modo tão claro, a lembrança do que a marcou: é de perder a lembrança dessas coisas que podem nascer as neuroses”.
Ou então:
neurose é um conflito inconsciente obstruindo uma descarga instintual”.
Ou ainda:
neurose é um conflito entre o ego e o id, obstruindo uma descarga instintual”. (Freud)
Sendo que nesta definição, há que se extirpar toda e qualquer idéia de haver, no id, intenção, volição, que são atributos exclusivos do ego. Assim o id nunca se levanta contra o ego. Ele simplesmente, por conta de sua formidável energia, lança, no organismo, a instintualidade, o que vai levar o ego a se decidir como proceder ante a urgência de tantas demandas, tendo, por isso mesmo, de ser autônomo e forte o suficiente para exercer o seu papel de executivo da personalidade, com competência para adiar as práticas relacionadas com as descargas, que só serão cumpridas quando houver compatibilidade com o social, com a moral, com a cultura.
A apresentações de citações tão diferentes entre si, tem um objetivo, que é levar quem tenha interesse em Psicanálise a pesquisar os livros em busca de uma definição de neurose que lhe seja sempre presente e que lhe sirva de meio auxiliar quando do exercício das atividades no consultório.

Há um princípio consagrado entre nós: o que quer que, em qualquer quantidade, esteja produzindo um mal, é absolutamente inconsciente, quando de sua atuação. É que quando há um mal, há, também, um sintoma e este fator será sempre um substituto do experienciamento que se tornou inconsciente. São as amnésias, que aos poucos vamos constatando que se estendem até aos primórdios da infância, ligadas a lembranças esparsas daquela época, que, de alguma forma sobreviveram. Trabalhando em cima delas, acaba o profissional por descobrir que associadas a elas, poderão haver experiências que acabam por se tornar inconscientes para o paciente: são as ditas experiências encobridoras, que são fragmentos históricos a preencher as deficiências de lembranças. Quando não é assim, tem-se o caso de nos depararmos com amnésias totais, o que nos obriga a trabalhar sobre o que não temos... Aliás, esquecer-se o ser humano de seus primeiros cinco anos de vida, chega a ser uma regra; mas é desafiadoramente interessante verificarmos que o esquecimento é referido como uma impossibilidade, que, entretanto, sabemos nós ser, na verdade, uma recusa, pois lá se encontram as raízes de toda a sexualidade de cada ser humano.
Há uma doença que encontramos, via de regra, amnésias totais: é a histeria, enquanto que noutra, na neurose compulsiva (e também na esquizofrenia), deparamos com quadros de rememoração compulsivas, que se localizam em tempos remotos, mas tudo muito desconexo, sem qualquer ligação e que, por isso mesmo, acabam por se tornar inúteis.
Por outro lado sabemos que podem haver lembranças perfeitamente conscientes ligadas a doenças, estando, porém, as suas gêneses absolutamente inconscientes: é um estado de inconsciência com referência ao material dos processos psíquicos, sendo daí que nascem os sintomas.
Sobre sintoma, podemos dizer que é como se fora um engenho: suas partes componentes são a repetição de experiências marcantes e de impulsos reprimidos a elas conectados, resultando daí a nossa compreensão de que o Consciente (Cs) não aceita a simultaneidade de satisfação de um instinto e a negação de sua gratificação.
Até aqui temos, regendo as explicações, a figura do Inconsciente (ICS), que se constitui num problema: existe, mas não conhecemos seu formato. Dele, nós psicanalistas temos uma concepção muito nossa: é algo amplamente positivo e não uma simples ausência de consciência e isso porque, dele, percebemos, com nitidez, as ações, que aparecem nos atos falhos (parapraxias), ações involuntárias, sonhos, fantasias, adoção de algumas práticas supersticiosas e/ou religiosas, que são energia psíquica, o que o habilita a interferir em nosso dia-a-dia, deixando-nos, muita vez, em situações difíceis e delicadas, por serem as suas manifestações absolutamente incompreensíveis para nós por sua absoluta involuntariedade.
Dissemos, repetindo os mestres, que o Ics é algo que existe e é atuante, mas que não pode ser descrito, nem identificado. Aliás, na língua de SF, a palavra inconsciente é das Umbewusste, que, literalmente traduzido, significa não sabido. Por isso mesmo, qualifica-lo como um lugar não pareceu a SF, nos primórdios de suas descobertas, muito apropriado, como, também, o seria falar de conteúdo do Inconsciente, expressão que, aliás, já está consagrada. Mas como ao vivermos uma experiência intensamente desagradável na infância, nós a recalcamos, fazemos, com isso, surgir, em seu lugar, um sintoma, a que chamamos de representante do conteúdo. Isto posto, temos, então, de ter presente que se é indiscutível que o sintoma existe, e que o sintoma é um representante, o tal conteúdo será, nada mais nada menos, que o não sabido de SF, que é o Inconsciente (Ics).
O que, na verdade, nos leva à essas expressões, é o fato de que tudo que é inconsciente, é, marcadamente, catexizado com energia pulsional, lutando permanentemente para alcançar a consciência, sendo que, para consegui-lo é “obrigada” a passar nas formações de compromisso, mesmo assim depois de ser censurado, sofrendo, por isso mesmo, várias deformações.
Voltando à neurose, temos que quando se lê SF, percebe-se que houve uma evolução conceptual desse tema, que assim pode ser esquematizada:
1915: Neuroses atuais e psiconeuroses
1924: Neuroses atuais. Neurose. Neuroses narcísicas e Psicoses.
Atual: Afecções psicossomáticas. Neuroses e Psicoses.
E sobre o neurótico, convém que se diga que o que o diferencia de alguém não-neurótico é o fato de que suas reações ao perigo (inclusive o que ele toma por perigo) se tornam muito intensificadas, com um aumento da prontidão para a angústia. Ou seja: não consegue enfrentar os perigos com atitudes adequadas. Aliás, a tônica do comportamento do neurótico é, justamente, a inadequação.
A estas alturas cabe a pergunta: “Existe uma predisposição para a neurose?” A resposta pode ser: “Parece que sim, por conta de uma eventual fraqueza do ego no que tange à função sexual, ... como se a oposição biológica entre a auto-preservação e a preservação da espécie encontrasse aí, uma expressão psicológica.” (SF).