A título de conceituação de neurose, lemos no Vocabulário de Psicanálise
de Laplanche e
Pontalis:
“Afecção psicogênica em que os
sintomas são a expressão simbólica de um conflito psíquico que tem raízes na
história infantil do indivíduo e constitui compromissos entre o desejo e a
defesa”.
Já Maud Mannoni, no seu ‘A Primeira Entrevista em Psicanálise’,
delicadamente nos diz:
“nem toda a criança tem a
oportunidade de guardar, de modo tão claro, a lembrança do que a marcou: é de
perder a lembrança dessas coisas que podem nascer as neuroses”.
Ou então:
“neurose é um conflito
inconsciente obstruindo uma descarga instintual”.
Ou ainda:
“neurose é um conflito entre o ego
e o id, obstruindo uma descarga instintual”. (Freud)
Sendo que nesta definição, há que se extirpar toda e qualquer idéia de
haver, no id, intenção, volição, que são atributos exclusivos do ego. Assim o
id nunca se levanta contra o ego. Ele simplesmente, por conta de sua formidável
energia, lança, no organismo, a instintualidade, o que vai levar o ego a se
decidir como proceder ante a urgência de tantas demandas, tendo, por isso
mesmo, de ser autônomo e forte o suficiente para exercer o seu papel de
executivo da personalidade, com competência para adiar as práticas relacionadas
com as descargas, que só serão cumpridas quando houver compatibilidade com o
social, com a moral, com a cultura.
A apresentações de citações tão diferentes entre si, tem um objetivo, que
é levar quem tenha interesse em Psicanálise a pesquisar os livros em busca de
uma definição de neurose que lhe seja sempre presente e que lhe sirva de meio
auxiliar quando do exercício das atividades no consultório.
Há um princípio consagrado entre nós: o que quer que, em qualquer
quantidade, esteja produzindo um mal, é absolutamente inconsciente, quando de
sua atuação. É que quando há um mal, há, também, um sintoma e este fator será
sempre um substituto do experienciamento que se tornou inconsciente. São as
amnésias, que aos poucos vamos constatando que se estendem até aos primórdios
da infância, ligadas a lembranças esparsas daquela época, que, de alguma forma
sobreviveram. Trabalhando em cima delas, acaba o profissional por descobrir que
associadas a elas, poderão haver experiências que acabam por se tornar
inconscientes para o paciente: são as ditas experiências encobridoras, que são
fragmentos históricos a preencher as deficiências de lembranças. Quando não é
assim, tem-se o caso de nos depararmos com amnésias totais, o que nos obriga a
trabalhar sobre o que não temos...
Aliás, esquecer-se o ser humano de seus primeiros cinco anos de vida, chega a
ser uma regra; mas é desafiadoramente interessante verificarmos que o
esquecimento é referido como uma impossibilidade,
que, entretanto, sabemos nós ser, na verdade, uma recusa, pois lá se encontram as raízes de toda a sexualidade de
cada ser humano.
Há uma doença que encontramos, via de regra, amnésias totais: é a
histeria, enquanto que noutra, na neurose compulsiva (e também na
esquizofrenia), deparamos com quadros de rememoração compulsivas, que se
localizam em tempos remotos, mas tudo muito desconexo, sem qualquer ligação e
que, por isso mesmo, acabam por se tornar inúteis.
Por outro lado sabemos que podem haver lembranças perfeitamente
conscientes ligadas a doenças, estando, porém, as suas gêneses absolutamente
inconscientes: é um estado de inconsciência com referência ao material dos
processos psíquicos, sendo daí que nascem os sintomas.
Sobre sintoma, podemos dizer
que é como se fora um engenho: suas partes componentes são a repetição de experiências marcantes e de impulsos
reprimidos a elas conectados, resultando daí a nossa compreensão de que o Consciente (Cs) não aceita a
simultaneidade de satisfação de um
instinto e a negação de sua gratificação.
Até aqui temos, regendo as explicações, a figura do Inconsciente (ICS), que se constitui num problema: existe, mas não
conhecemos seu formato. Dele, nós psicanalistas temos uma concepção muito
nossa: é algo amplamente positivo e não uma simples ausência de consciência e isso porque, dele, percebemos,
com nitidez, as ações, que aparecem nos atos falhos (parapraxias), ações
involuntárias, sonhos, fantasias, adoção de algumas práticas supersticiosas
e/ou religiosas, que são energia psíquica, o que o habilita a interferir em
nosso dia-a-dia, deixando-nos, muita vez, em situações difíceis e delicadas,
por serem as suas manifestações absolutamente incompreensíveis para nós por sua
absoluta involuntariedade.
Dissemos, repetindo os mestres, que o
Ics é algo que existe e é atuante, mas que não pode ser descrito, nem
identificado. Aliás, na língua de SF, a palavra inconsciente é das Umbewusste, que, literalmente
traduzido, significa não sabido. Por
isso mesmo, qualifica-lo como um lugar não pareceu a SF, nos primórdios de suas
descobertas, muito apropriado, como, também, o seria falar de conteúdo do Inconsciente, expressão
que, aliás, já está consagrada. Mas como ao vivermos uma experiência
intensamente desagradável na infância, nós a recalcamos, fazemos, com isso,
surgir, em seu lugar, um sintoma, a que chamamos de representante do conteúdo. Isto posto, temos, então, de ter
presente que se é indiscutível que o sintoma existe, e que o sintoma é um representante, o tal conteúdo será,
nada mais nada menos, que o não sabido
de SF, que é o Inconsciente (Ics).
O que, na verdade, nos leva à essas expressões, é o fato de que tudo que
é inconsciente, é, marcadamente, catexizado com energia pulsional, lutando
permanentemente para alcançar a consciência, sendo que, para consegui-lo é “obrigada”
a passar nas formações de compromisso,
mesmo assim depois de ser censurado,
sofrendo, por isso mesmo, várias deformações.
Voltando à neurose, temos que quando se lê SF, percebe-se que houve uma
evolução conceptual desse tema, que assim pode ser esquematizada:
1915: Neuroses atuais e psiconeuroses
1924: Neuroses atuais. Neurose.
Neuroses narcísicas e Psicoses.
Atual: Afecções psicossomáticas.
Neuroses e Psicoses.
E sobre o neurótico, convém que se diga que o que o diferencia de alguém não-neurótico
é o fato de que suas reações ao perigo (inclusive o que ele toma por perigo) se
tornam muito intensificadas, com um aumento da prontidão para a angústia. Ou
seja: não consegue enfrentar os perigos com atitudes adequadas. Aliás,
a tônica do comportamento do neurótico é, justamente, a inadequação.
A estas alturas cabe a pergunta: “Existe uma predisposição para a
neurose?” A resposta pode ser: “Parece que sim, por conta de uma eventual
fraqueza do ego no que tange à função sexual, ... como se a oposição biológica
entre a auto-preservação e a preservação da espécie encontrasse aí, uma
expressão psicológica.” (SF).