INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

domingo, 29 de dezembro de 2013

Psicopatologias e a Psicanálise

Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil

  • Um raciocínio diagnóstico pela psicanálise - parte (b)

A direção do tratamento na psicanálise, obviamente, vai no sentido inverso. De todo modo, um desarranjo já parece ter sido aí introduzido pela escolha da equipe (plena de implicações clínicas) de não responder à demanda de eletrochoque e oferecer a ela não a psicanálise, mas uma terapêutica da palavra. Como resultado dessa oferta, uma nova demanda: dessa vez, ao sair de seu mutismo, ela pede ao doutor que não lhe dê eletrochoque. Pouco antes da apresentação aqui relatada, Maria iniciou atendimento com uma aluna do Curso de Especialização em Atendimento Psicanalítico do Instituto. Nas duas entrevistas realizadas, o marido fez questão de estar junto a ela. A apresentação de pacientes foi a primeira ocasião em que o marido se viu impedido de participar. Como resultado mais imediato, primeiro efeito da apresentação, o marido alegou problemas de saúde e uma viagem para não mais trazer a paciente ao atendimento.
Semanas depois, Maria foi novamente trazida ao hospital pelo marido, novamente em estado deplorável. Dessa vez, porém, novos acontecimentos indicaram que essa entrevista pode ter tido outros efeitos. Na entrevista, fora assinalada a semelhança de seu nome com o do irmão, e também o fato de que os nomes de todos os oito irmãos e irmãs eram compostos pela palavra “amar”. Nessa nova internação, Maria voltou a sair do estupor e do mutismo sem eletrochoque. A primeira frase que disse foi: O meu mal é amar demais. Um comentário final
Acompanhamos duas lógicas diagnósticas. A psiquiátrica, fenomenológica; e a psicanalítica, chamada estrutural, que se propõe a ir além dos fenômenos. Para encerrar, um último comentário.
Se o diagnóstico psiquiátrico sempre foi fenomenológico, é importante notar que, atualmente, assistimos a uma tendência na psiquiatria. Trata-se da tendência de substituir as grandes categorias (neurose, psicose maníaco-depressiva, esquizofrenia, toxicomania...) por descrições especificadas de fenômenos objetivos. Um exemplo da CID 10: “transtorno mental e de comportamento decorrente do uso de solventes voláteis, síndrome de dependência, atualmente abstinente, porém em ambiente protegido”. Acredite se quiser, isso é um diagnóstico e tem um número: CID 10,F18.2.21.
É importante reter, acerca disso, o seguinte. Essa é uma tendência mais ou menos recente e reflete a influência exercida pelo sistema norte-americano de classificação. A Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial de Saúde (a CID) transformou-se significativamente na versão atual (a décima), aproximandose da lógica descritiva do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM). Em relação à versão anterior, as categorias nosográficas da CID são cada vez mais descritivas, detalhistas, casuísticas, em detrimento das grandes categorias que já caracterizaram a psicopatologia psiquiátrica. Basta dizer que o capítulo sobre “Transtornos Mentais e de Comportamento”, da CID 10, tem mais de 360 subcategorias diagnósticas, algumas das quais ainda podem ser mais especificadas, segundo cursem com ou sem sintomas adicionais, em curso contínuo ou episódico, etc., o que eleva o número final de diagnósticos possíveis a cerca de 800.
Na introdução ao capítulo, os editores enfatizam essa ampliação como uma vantagem e tratam ainda de outras mudanças em relação à versão anterior. Uma delas é a abolição do uso da divisão entre psicose e neurose: “... os transtornos são agora arranjados em grupos de acordo com os principais temas comuns ou semelhanças descritivas”, e o termo “neurose” é reduzido a um “uso ocasional” (CID 10, 1993: 3).
Em termos da própria psiquiatria, isso significa uma tendência da classificação da OMS de se aproximar da fragmentação que já caracterizava o norte-americano DSM.
Sem nem mesmo chegarmos a evocar as categorias de sujeito e estrutura, o que se vê aí é um empobrecimento interno à própria lógica psiquiátrica. Empobrecimento que consiste em privilegiar a descrição dos sintomas, privilegiar a síndrome em detrimento da doença, em detrimento da categoria de doença. No que diz respeito à interessante distinção entre diagnóstico sindrômico e diagnóstico, isso resulta em eliminá-la na prática, uma vez que o diagnóstico nosológico é, cada vez mais, um diagnóstico sindrômico. Essa minúcia descritiva parece formalização, mas na verdade vem no lugar da formalização das grandes categorias. Não por acaso, os editores reivindicam que as descrições e diretrizes diagnósticas da CID “não contêm implicações teóricas” (1993: 2).
Internamente à discussão psiquiátrica, isso não é irrelevante. Denota uma vitória hegemônica da dita psiquiatria biológica e uma derrota, talvez momentânea, daqueles que pensam a clínica em outra perspectiva. E significa um empobrecimento da clínica, o que é inclusive afirmado por muitos psiquiatras. Felizmente, no caso aqui estudado, a obediência às minúcias classificatórias não impediu que o psiquiatra e a equipe conduzissem o caso com notável sensibilidade clínica e discernimento. Não por acaso, a paciente saiu do estupor sem ECT, mas pela conversa intensiva ao pé do leito – exemplo da boa clínica psiquiátrica, resgatando a clínica como prática que se faz junto ao paciente, ao leito, e como mediação entre o universal da nosografia e o singular de cada caso.
Uma maneira interessante (porque não habitual) de marcarmos as limitações do diagnóstico em psiquiatria é recorrer a um manual interno ao seio da própria psiquiatria, mas aí dissonante. O Manual de Saúde Mental aqui citado (SARACENO et. al., 1994) foi traduzido, em 1991, pelo Ministério da Saúde do Brasil como um “guia básico para atenção primária”. Esse manual critica o DSM por suas “categorias diagnósticas muito articuladas e requintadas que não têm aplicação prática na realidade clínica” e elogia a CID (então na nona edição) por ser um sistema de classificação “simples e útil” e propõe um “diagnóstico em grandes categorias”. Significativamente, esse manual – psiquiátrico – divide as patologias entre aquelas caracterizadas “por um conflito entre o sujeito e suas defesas para com suas próprias pulsões” (são as “neuroses, transtornos de personalidade, distúrbios psicossomáticos, alcoolismo e abuso de fármacos e de drogas”); e aquelas que “se desenvolvem segundo uma vertente de desintegração” (são a “esquizofrenia e psicoses afetivas”). Finalmente, o manual define o diagnóstico psiquiátrico como “uma agregação de sintomas”. Adiante, afirma que, como dado isolado, o diagnóstico psiquiátrico “serve principalmente para estabelecer a estratégia de intervenção psicofarmacológica” (SARACENO et. al., 1994, p. 13-6).
Assim estabelecidas, na própria psiquiatria, as limitações do diagnóstico psiquiátrico, mencionemos o “mais-além dos fenômenos” que é próprio do diagnóstico psicanalítico. François Leguil (1986, p. 61 e segs.) define esse “mais além” como sendo a exigência de que o diagnóstico diga “as maneiras como se repartem na estrutura os efeitos de uma confrontação com o enigma do desejo do Outro”. Leguil recorre ao grafo do desejo, de Lacan, para dar ainda outra formulação a esse “mais-além”. O grafo indica que o sujeito responde ao enigma do Outro em quatro níveis: no nível das identificações ideais, “o diagnóstico confina com a etiqueta”; no nível do eu e dos semelhantes, o diagnóstico interessa ao sociólogo; no nível exclusivo do sintoma, o diagnóstico indica o “significado do Outro”, enquanto que à clínica interessa o que resulta disso para o sujeito; logo, o diagnóstico deve ser situado no nível em que a fantasia se implica no sintoma. Foi o que se tentou desenvolver no diagnóstico psicanalítico do caso de que tratamos aqui. No entanto, em psicanálise, o diagnóstico é de estrutura, mas é também sob transferência. O que exige mais uma palavra sobre a apresentação de pacientes.
Nela, é discutível dizer que se está sob transferência. Todavia, o analista não abre mão de ocupar um lugar, e de fazer um trabalho que venha produzir uma certa fala, que possa, idealmente, mostrar algo da posição do sujeito na fantasia (assim foi na apresentação aqui relatada, como pudemos ver). Portanto, não se trata apenas de dizer que a fala do paciente está presente na apresentação psicanalítica e ausente na psiquiátrica (na psiquiatria mais fiel à tradição clínica, a fala do paciente também está presente). Trata-se de que na apresentação (entrevista) psicanalítica, essa fala é produzida, num certo registro da transferência, no registro de um certo endereçamento. Aí reside a tentativa do mais-além dos fenômenos. O mais-além dos fenômenos é a relação, a posição diante do outro.
Assim como um diagnóstico decorre de uma definição prévia (explícita ou implícita) sobre a função de uma terapêutica, também influencia, ele mesmo, os alcances de um tratamento. No caso aqui apresentado, o diagnóstico de transtorno depressivo recorrente só alcançará iluminar e intervir sobre cada recorrência depressiva. A psiquiatria resolve esse problema intervindo sobre as situações mais agudas e encaminhando esses pacientes para a “psicoterapia”. Certo, mas aí começa o trabalho. Ao propor que o diagnóstico incida não exclusivamente sobre o sintoma, mas sobre a implicação do sujeito no sintoma, a psicanálise cria as condições para que a própria intervenção clínica vá mais-além.

Referências
ALBERTI, S. Os quadros nosológicos: depressão, melancolia e neurose obsessiva. In: A dor
de existir e suas formas clínicas. Rio de Janeiro: Kalimeros, 1997.
CID 10 / ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – Classificação de Transtornos Mentais e de
Comportamento da Classificação Internacional de Doenças. 10ª ed. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1993.
DSM-IV / AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION – Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders. 4th ed. DSM-IV American Psychiatric Association, Washington,1994.
FIGUEIREDO, A.C. A relação entre psiquiatria e psicanálise: uma relação suplementar.
Informação psiquiátrica, v. 18, n. 3, p. 87-9, 1999.
FREUD, S. Luto e melancolia. In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas
Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1974. v. XIV.
KAPLAN, H. e SADOCK, B. Compêndio de psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.

LEGUIL, F. Mais-além

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Psiquiatria e Psicanálise

Parte III  -  Psiquiatria e Psicanálise
Sociedade Psicanalítica do Brasil-SPOB-POLO/RS
Um raciocínio diagnóstico pela psicanálise-Parte (a)

Dissemos que a resposta a nossas indagações, temos que buscá-la na fala da paciente. Ausente da apresentação psiquiátrica, é protagonista na apresentação psicanalítica de pacientes. Aqui, não apenas o paciente é chamado a comparecer de viva voz como a entrevista é conduzida de modo a fazer comparecer o sujeito. Podemos dizer, portanto, que a apresentação tem tripla função: de transmissão, permitindo aos mais jovens acompanhar o trabalho de um analista “ao vivo” (único contexto em que isso é possível, ainda que o analista esteja numa situação atípica); de diagnóstico, mais-além dos fenômenos; e de encontro clínico, cujos efeitos são imprevisíveis. No que diz respeito ao diagnóstico da paciente aqui em questão, orientando-nos
pelo recorte que a psicopatologia psicanalítica faz na nosologia psiquiátrica, nossa indagação deve ser: é psicose? É neurose? Nesse caso, é neurose obsessiva? É histeria?
Uma primeira observação indica, já, o seguinte: não há na entrevista, como veremos, maior evidência de psicose; não há nada da ordem de uma neurose obsessiva; por eliminação, temos uma indicação diagnóstica de histeria. No entanto essa indicação, dando-se por eliminação, ainda não está justificada teórica e clinicamente. Nossas tarefas, então, são duas: interrogar se, efetivamente, podemos descartar o diagnóstico de psicose; e positivar o diagnóstico estrutural de histeria. Quanto à hipótese de psicose, a apresentação deprimida da paciente, estuporosa, entregando-se como objeto ao leito, ao marido e ao eletrochoque, indica a necessidade de interrogar se não se trata de uma melancolia. Em que medida o estupor da paciente não é uma resposta a um Outro absoluto, “caindo como objeto para completá-lo”, como aponta Alberti (1997, p. 223)? Na depressão profunda, o melancólico está “todo submetido ao Outro, até o ponto do estupor” (Ibid.). É certo que as aparências enganam, mas é preciso tomá-las em consideração, ainda que para perceber esse engano, e fenomenologicamente as duas descrições se assemelham.
Na vertente da psicose, o que temos que buscar? Temos que buscar, nessa fala, os fenômenos elementares (que são as alucinações verbais, o automatismo mental e, sobretudo, os distúrbios de linguagem). Em se tratando de melancolia, temos que observar o que é seu traço mais característico, a auto-acusação, que possui o estatuto de um delírio. Finalmente, temos que discernir a posição do sujeito face ao lugar do Outro – se uma posição reduzida a objeto de gozo do Outro, que adquire consistência (psicose), ou se numa posição de responder pela fantasia ao enigma do desejo opaco do Outro, que perde consistência de gozo (neurose). Na vertente da neurose, temos que indagar se há uma dialetização possível da posição frente ao Outro; indagar sobre a divisão do sujeito.
 Resumidamente: não há na fala da paciente à entrevista algo que é fundamental na melancolia, a auto-acusação. A dor, tão enfatizada por Freud em “Luto e melancolia”, também não aparece intensamente. Ao contrário, ela diz que sua vida é boa quando não está doente e que se não fosse a doença ela seria feliz. A doença, por sua vez, não mostra a centralidade do “eu” que se observa na melancolia. Ela vem de fora, “de repente”. Também não se observam, na fala da paciente, os distúrbios de linguagem que caracterizam a psicose (neologismos, frases interrompidas, vazios de significação...), bem como alucinações ou delírios que traduzam a morte do sujeito.
Do ponto de vista da psicose, resta interrogar a posição frente ao Outro, o que podemos fazer no desenvolvimento da hipótese de uma neurose histérica.
Interroguemos, portanto, o diagnóstico de histeria. Temos como ponto de partida a definição que Maria dá de sua doença: sua doença é não falar.
Reiteradamente, ao longo da apresentação, a paciente é questionada sobre sua doença e responde da mesma maneira. O início da entrevista é emblemático: o psicanalista pergunta qual é o seu problema e Maria responde: “Há 18 anos que eu venho assim doente, né? Não como, não bebo, não tomo banho, só fico em cima da cama, não falo com ninguém”. O analista pede que explique melhor e ela diz: “Há 18 anos que eu venho doente, não como, não bebo, não tomo banho, não falo com ninguém, só em cima da cama”. Ele insiste, ela responde: “A doença vem de repente”. Ele pede um exemplo: “Ah, ela vem eu começo a ficar deitada, né? Começo ficar deitada, aí... aí eu fico... sem comer, sem beber, já não falo mais com ninguém.”
Nesse pequeno fragmento, nessas primeiras linhas, já temos muita coisa: 1) sua doença é não falar; 2) sua doença vem de fora, de repente, isto é, não há uma implicação subjetiva; 3) o não falar não é apenas sua doença, mas também a posição que Maria ocupa na entrevista.
Avançando na entrevista, encontramos outros elementos desse não falar. Na trilha de não se implicar, a paciente diz que sua doença é “de família” e aponta vários parentes que sofreram da mesma enfermidade. Entre eles um irmão que “também morreu dessa doença (...) também era calado”. Diz ela: “A doença dele era assim quase igual à minha, calada”. Logo adiante, em resposta a uma pergunta, afirma que vem “nervosa já desde pequena” porque “assistia a doença” desse irmão. E descreve uma cena: “Ele ficava nervoso, ficava sem falar, a minha mãe ficava falando com ele, ele não respondia, ficava assim nervoso, aí eu também, eu ficava nervosa”. Tinha, então, cinco anos. Instada a falar sobre isso, acrescenta: “Eu ficava assim também... querendo falar também, e não falava”.
Esses fragmentos já acrescentam algumas coisas mais: 4) sua doença é igual à do irmão, o que permite pensar num sintoma formado por identificação; 5) essa doença (e essa possível identificação) está associada a uma cena, que envolve o irmão e a mãe; 6) essa doença não é apenas não falar, mas querer falar e não falar, o que mostra a divisão do sujeito em seu sintoma, ou na posição à qual está identificada.
Esse último ponto fica evidente também em outra fala da paciente sobre sua doença, quando diz que o que tem não é “loucura”: “... eu sou normal, né? Eu sei o que tá se passando (...) Eu só fico mesmo sem comer, sem beber, sem falar, mas eu sei de tudo. Só não falo”.
Finalmente: Maria comete um único lapso durante a apresentação. Um só, mas suficiente. No início da entrevista, dissera mais de uma vez que vem doente há 18 anos. Adiante, é perguntada sobre quando sua doença começou: “aos dezoito anos”. Dezoito anos? “É. Eu tava com 46 anos”. Dezoito anos, ela já o contara antes, foi a idade em que Maria se casou. Na ocasião, seus pais não aprovavam que ela se casasse. Instada pelo noivo a fazer uma escolha, fugiu de casa com ele. Em torno disso, aparece na fala de Maria uma segunda cena: sua mãe não queria perdoá-la, então seu pai “ajoelhou nos pés dela e pediu pra ela me perdoar. Aí ela me perdoou. Aí ela disse assim ‘tá vendo, ele gosta de você...” Esse novo fragmento nos dá mais alguns elementos: 7) mostra a presença do recalque, corroborando a idéia de uma estrutura neurótica; 8) é uma indicação do inconsciente de que seus sintomas têm relação com a forma pela qual se casou; 9. há mais uma cena associada a sua doença, a do pai de joelhos diante da mãe, pedindo por ela, Maria. É inevitável apontar a natureza edipiana dessa última cena: o pai mostra seu amor pela filha intercedendo em favor dela junto à mãe. Mas a cena não mostra só o Édipo: mostra, nele, um pai fraco, um pai cuja intervenção sobre a mãe é a de se ajoelhar, um pai que cumpre sua função simbólica com certa precariedade. A mãe, por sua vez, não é apenas forte, mas tirânica: “Ela gostava muito de bater, batia muito na gente; (...) eu apanhava muito”; “meu pai não dava muita opinião não, porque a minha mãe é que gostava mais de mandar”.
Se a clínica é a manifestação ordenada e articulada de elementos co-variantes, isto é, se uma estrutura é dada pela relação de alguns traços pertinentes entre si, que dispensam uma profusão fenomenológica, já temos o suficiente para uma primeira afirmação positiva do diagnóstico de histeria: há conflito, logo, há recalque, há sujeito dividido; o sintoma é formado por uma identificação com um irmão, um homem; há duas cenas que indicam uma construção fantasística na base do sintoma, e numa delas o pai é um pai fraco, objeto de disputa entre ela e a mãe; não há implicação subjetiva, mas, ao contrário, indiferença.
No entanto, falta algo essencial, ainda que só possamos aceder a isso pela via de uma construção. Trata-se da posição desse sujeito na fantasia.
Temos uma primeira cena: o irmão deixa de falar e isso faz com que a mãe, normalmente severa, fale com ele, peça a ele que fale. Nessa cena, o mutismo do irmão coloca a mãe como desejante e faz dele objeto do desejo da mãe, não cedendo nesse momento à demanda que ela lhe faz para que fale.
Aos 18 anos, Maria foge de casa para consumar um casamento que os pais não aprovam. Temos, então, a segunda cena: o pai de Maria se ajoelha diante da mulher, intercedendo em favor da filha face a uma mãe tirânica.
Há ainda um terceiro tempo, o do desencadeamento do sintoma, quase vinte anos depois. Interrogada, a paciente não informa nada sobre esse desencadeamento, mas o lapso diz o mais importante: quaisquer que tenham sido as circunstâncias desencadeadoras, seu sintoma tem origem na forma como se casou. Ela não está doente “há 18 anos”, mas “aos 18 anos”.
Se a fantasia é a resposta que o sujeito dá ao enigma do desejo do Outro, e está na base do sintoma, podemos construir o seguinte: a posição de não falar à qual a paciente está identificada é uma posição na fantasia cujo sentido é barrar o Outro e fazê-lo desejante, faltoso, descompleto. Se o pai aparece como fraco na tentativa de barrar o gozo da mãe (barrar o Outro), a paciente se identifica ao irmão que, com seu sintoma, barra a mãe em sua demanda imperiosa. Se a paciente ocupa, na fantasia, a posição do irmão, alguém estará no lugar da mãe, que cuida, mas que fala por ela e é tirânica – no caso, o marido. Vemos, portanto, que o quadro sintomático vem fazer o Outro desejante e colocar a paciente na cena de recusa à demanda do Outro: fale, funcione, cumpra suas tarefas de dona de casa, etc. É necessário, nesse ponto, voltar à questão da melancolia. Se há um insucesso do pai, enquanto pai simbólico, em barrar o gozo da mãe; se a paciente, para barrar o Outro, deve identificar-se como objeto e cair em posição de mortificação; não temos aí melancolia? A interrogação é inevitável. No entanto, como já dissemos, a fala da paciente não traz o delírio de auto-acusação fundamental na melancolia. Além disso, parece suficientemente fundamentada a idéia de que o estupor, o mutismo, a mortificação, entre aspas, têm mais o estatuto de sintoma (ou de acting-out) do que de uma resposta que vem do real. Noutras palavras, está mais na ordem do paradoxo do sintoma, de a um tempo elidir e representar o sujeito, do que de uma desaparição do sujeito. Ou nos termos mais conhecidos: tem o estatuto de retorno do recalcado, e não de algo que, foracluído no simbólico, retorna no real.
Em outras palavras, dissemos que esse sujeito não é objeto de gozo do Outro.
O Nome-do-pai fez função simbólica. Aos 18 anos, Maria fez uma escolha que contrariou uma mãe tirânica. Vinte anos depois, alguma coisa desarrumou-se na posição que sustentava face a seu desejo e a esse Outro. Sua resposta foi a “dissociação”, o estupor. No entanto, o preço do sintoma é, nesse caso, altíssimo.
É o preço de entregar-se ao imobilismo, ao silêncio, à tristeza, ao estupor, às internações, ao eletrochoque, para “atuar” uma fantasia.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

As Psicopatologias e a Psicanálise

Parte I de III
Conteúdo da Apostila de Psiquiatria e Psicanálise

Curso de Capacitação em Psicanálise-SPOB-POLO/RS
Os ensaios clínicos que testam a eficácia de novas drogas no controle de transtornos psiquiátricos e comportamentais, como a depressão, a dependência química e a esquizofrenia, têm observado resultados melhores quando associam à medicação abordagens psicoterápicas diversas.
Nesta perspectiva, a Associação Americana para a Psiquiatria Acadêmica e a Associação Americana de Diretores de Treinamento em Residência Psiquiátrica defendem a necessidade da aplicação clínica dos conceitos de mecanismos de defesa, dinâmica inconsciente, transferência e contratransferência na prática psiquiátrica. Disto dependeria a efetividade da prescrição dos psicofármacos, das técnicas cognitivo comportamentais e do trabalho psiquiátrico em geral. O exercício adequado da psiquiatria não poderia estar dissociado da utilização de diferentes técnicas psicoterápicas dinâmicas, dependendo das necessidades dos pacientes. A evidência de que diferentes abordagens psicoterápicas breves, com duração e distanciamento terapeuta-paciente específicos, possam trazer resultados positivos para o sujeito enfermo vem se acumulando, nas últimas décadas. A importância de tal fato para a Saúde Pública é enorme.  Ao lado da escassez dos recursos para o investimento em saúde, existe a necessidade de expandirmos os tratamentos dinâmicos para além das classes abastadas das grandes cidades. Devemos, portanto, pensar na capacitação de técnicos, sem a formação longa e custosa em psicanálise, na utilização de diferentes tipos de psicoterapias dinâmicas breves, possibilitando a difusão dos seus benefícios a um número maior de indivíduos na nossa sociedade. A psicoterapia de apoio favorece mais a adaptação intrapsíquica e interpessoal do que mudanças estruturais profundas Em “Psicanálise, psicoterapia psicanalítica e psicoterapia de apoio: controvérsias contemporâneas” (capítulo publicado no livro “Psicanálise contemporânea: revista francesa de psicanálise: número especial, 2001”, organizado por André Green e lançado no Brasil pela Imago, em 2003), o psicanalista Otto Kernberg analisa a relação entre a psicanálise, a psicoterapia psicanalítica e a psicoterapia de apoio, pois reconhece que inúmeros pacientes, por motivos de gravidade das suas patologias e/ou recursos financeiros limitados, não podem ser submetidos à psicanálise clássica. As psicoterapias dinâmicas derivadas da psicanálise teriam utilidade para essas pessoas. Segundo o autor, a psicanálise buscaria uma mudança estrutural fundamental, integrando o conflito inconsciente ou dissociado no ego consciente. A psicoterapia analítica teria uma proposta de mudança do sintoma no “aqui e agora”, o que envolveria mudanças parciais na estrutura fundamental do sujeito. Por outro lado, a psicoterapia de apoio levaria à melhora do sintoma, não por mudanças estruturais, mas por meio de rearranjos na composição dinâmica de impulsos e defesas, reforçando defesas mais adaptativas. O autor observa que tais modalidades diferem na maneira que utilizam o que define como os três elementos fundamentais do método psicanalítico, quais sejam, a interpretação, a análise da transferência e a neutralidade técnica. O abandono da neutralidade técnica pode ocorrer na psicoterapia psicoanalítica, o que permite que o terapeuta, no decorrer da análise, possa intervir em situações externas que colocariam a vida do paciente ou o tratamento em risco. Na terapia de apoio esse abandono seria mais completo. Tal modalidade de tratamento não objetiva a interpretação da transferência, embora atenta a ela. Não obstante, utiliza elementos da técnica interpretativa, como a clarificação e a confrontação, podendo dar apoio cognitivo e emocional ao paciente através da sugestão e do reasseguramento. Além disso, a terapia de apoio pode utilizar uma intervenção direta no ambiente, integrando a família e outros membros da equipe de saúde ao tratamento. Segundo Kernberg, ao contrário da psicanálise clássica, a psicoterapia psicanalítica e a psicoterapia de apoio seriam mais indicadas para o tratamento de casos severos como comportamentos suicidas, distúrbios alimentares, alcoolismo, dependência de drogas e comportamento anti-social exacerbado. A literatura em saúde mental evidencia o efeito similar entre as psicoterapias de curta e longa duração
Na introdução ao livro “Terapia Interpessoal e Dinâmica Breve”(Levenson, H. Et al. Brief Dynamic and Interpersonal Therapy. 2ª Ed, Washington, DC, American Psychiatric Publishing, 2002), os autores observam que as estimativas pontuam que 90% dos indivíduos deixam o tratamento até a décima sessão. Isto não significa total falha no tratamento, porque a metade destes sujeitos relata algum grau de benefício, mesmo no curto tempo de permanência. As psicoterapias de curta duração são melhores do que nenhuma terapia, revelam os estudos de avaliação, que não conseguem demonstrar a superioridade terapêutica dos métodos mais longos sobre as abordagens psicoterápicas mais breves. Existe uma crescente demanda por terapias mais breves, atendendo à limitação dos recursos e às necessidades dos indivíduos de alívio imediato do sofrimento psíquico. As abordagens breves envolvem de seis a 25 sessões. Não são terapias de longa duração “desidratadas”, mas requerem um treinamento especializado, seguindo métodos específicos. Infelizmente, segundo os autores, os clínicos de orientação dinâmica, com trabalhos longos e em profundidade, resistem às técnicas mais breves. São fontes dessa resistência a crença de que quanto mais sessões melhor, o perfeccionismo terapêutico, a confusão entre os interesses do terapeuta e do paciente e a reação negativa acerca da necessidade de centrar o tratamento nas características do paciente. Portanto, não há apenas a necessidade de treinamento em terapias breves, mas de mudança de atitude e de valores em relação à efetividade dessas terapias, considerando a realidade clínica dos seus bons resultados num curto espaço de tempo.


quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Quem tem Doença Psicossomática?


Trata-se de um trecho de artigo publicado no jornal Correio Braziliense, de 24 de janeiro de 2003. Veja:

"Médicos e psiquiatras são unânimes ao afirmar que qualquer pessoa está sujeita a desenvolver uma doença psicossomática. 
Algumas até já sofrem do mal sem perceber. A asma e a artrite (dores nas articulações), por exemplo, têm um forte fator emocional. Crianças que só começam a ter dificuldades para respirar depois de completar 5 ou 6 anos sofrem de asma psicossomática. 
A falta de ar é uma maneira de atrair a atenção dos pais. Para ter certeza de que uma doença tem origem psicológica, deve-se descartar todas as causas orgânicas primeiro. Por isso, recomenda-se uma série de exames antes de fechar o diagnostico. É importante esclarecer que, apesar de a enfermidade ser emocional, o paciente precisará de tratamento médico. ‘‘Os sintomas que ela apresenta não são imaginários e, portanto, exigem cuidados especiais’’, ensina o psiquiatra.
Outras doenças psicossomáticas comuns são a psoríase (descamação da pele), o vitiligo (perda do pigmento da pele) e a alopécia (perda espontânea de pêlos do corpo). O fato de todas afetarem a pele não é coincidência. ‘‘Depois do cérebro, a pele é o órgão com o maior número de terminações nervosas do corpo’’, explica o dermatologista Francisco Leite. ‘‘Isso quer dizer que a pele está intimamente ligada ao sistema nervoso central e, conseqüentemente, às emoções.’’
Em princípio, os pacientes nem imaginam que as irritações na pele e queda de cabelo têm fundo emocional. Mas, ao conversar com o dermatologista, acabam percebendo: o problema surgiu após um forte estresse.

A melhor maneira de acabar com o problema é tratando, simultaneamente, a pele e a mente. Por isso, além dos medicamentos tradicionais, recomenda-se terapia. Quando a pessoa ficar de bem consigo mesma, os sintomas tendem a regredir. 
O doente citado acima, por exemplo, controlou a doença logo após o novo matrimônio. O fato de se sentir amado novamente ajudou na cura".

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

AS DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS




INTRODUÇÃO Á PSICOSSOMÁTICA

“Quando o sofrimento não pode expressar-se
pelo pranto, ele faz chorarem
 os outros órgãos”.
 W. Motsloy
 O termo “psicossomático” pode ser usado ao referir-se metodologicamente, a um tipo de abordagem ao estudar e tratar certos distúrbios do corpo em suas funções. Porém é mais comum esse termo ser usado em sentido nosológico ou classificatório, referido a um grupo de distúrbios cuja etiologia pode estar relacionada ao menos em parte a fatores emocionais. O vocábulo “psicossomático” tem sua gênese no grego e pode ser assim entendido, “psyche”, alma e “soma”, corpo.
             Aristóteles (384-322 a.C.) que exerceu grande influência na cultura ocidental, atribuía ao coração a função de centro da atividade mental, gerando o fato de que por muito tempo o coração foi o designativo dos estados emocionais. 
As doenças psicossomáticas são aquelas produzidas por distúrbios emocionais, ou sentimentos como por exemplo, raiva, ansiedade, angustia, medo, vingança, etc
Estes sentimentos podem produzir doenças reais e físicas como a depressão, dores de barriga, diarreias, ou tremores por exemplo. 
Trata-se em resumo de emoções ou sentimentos que se  transformam com o tempo em doenças físicas.
Qualquer pessoa pode apresentar doenças psicossomáticas, que podem inclusive  se manifestar como úlceras, câncer, sinusite, hipertensão, doenças do fígado, etc
Os sintomas variam de pessoa para pessoa, mas podem incluir:
Dor de cabeça, Angústia, Nervosismo, Dor na barriga,
Dor de estômago, Crises de gastrite,Insônia, Diarreia,
Medo, Sudorese,Taquicardia, etc
A partir de Sócrates, gradualmente surgiu à idéia de que o homem seria constituído não apenas por um substrato material, mas também de uma essência imaterial, vinculada aos sentimentos e à atividade do pensamento, a alma.
O termo “psicossomático” foi utilizado pela primeira vez em 1818 por Heinroth, psiquiatra alemão, Ao fazer referência a insônia e a influência das paixões na tuberculose, epilepsia e cancro.  
No século seguinte as descobertas de Freud permitiram uma melhor compreensão desses fenômenos. Em 1922 Deutsch reintroduziu esse termo em Viena.
De acordo com essas teorias o aparelho psíquico não é um acessório de luxo do desenvolvimento humano, mas ele exerce uma função essencial de assimilação e elaboração dos estímulos provenientes da realidade externa e do meio interior.
A patologia também faz parte dos meios do individuo para regular sua homeostase, ou suas relações com o meio.

domingo, 24 de novembro de 2013

O papel da mãe na teoria de Winnicott


Conteúdo da apostila: TEORIA PSICANALÍTICA- DONALD WOODS WINNICOTT
Curso de Capacitação em Psicanálise

            Winnicott foi um dos pioneiros a hierarquizar o papel da mãe no funcionamento mental da criança em seu desenvolvimento. O autor considerou que a mãe tem participação ativo e importante na construção do espaço mental do bebê, onde este não é apresentado como um objeto da natureza, mas como uma pessoa que necessita dos cuidados e atenção de outra pessoa para existir, ou seja, um humano cuidando de outro humano.
          A mãe participa de uma verdadeira unidade com seu filho, onde esta, como objeto externo é muito mais do que um modulador das projeções da criança, promovendo e favorecendo para que o processo de formação da mente do bebê seja bem feito. Diz o autor que a mãe ao tratar seu bebê, “ao lhe dar amor, fornece-lhe uma espécie de ‘energia vital’ que o faz progredir e amadurecer (Bleichmar & Bleichmar, 1992).
         Winnicott propõe uma “mãe suficientemente boa” por acreditar que quando esta possibilita ao seu bebê a ilusão de que o mundo é criado por ele, assim lhe concede a experiência da onipotência primária, que para o autor é a base da do fazer criativo. Para Winnicott, a percepção criativa da realidade se constitui numa experiência do “self”, pois este é o núcleo singular de cada indivíduo para o autor.
          O que está em questão na teoria winnicottiana não é a vida erótica do sujeito, mas a conquista de um lugar para viver, ou seja, a base do self no corpo, segundo Gurfinkel (1999). O desenvolvimento sadio do bebê é que possibilitará a localização do self no corpo, pois este é uma experiência que vai se construindo com o desenvolvimento a partir da dependência absoluta, pois não é uma experiência que existe desde sempre.
        Enquanto Freud escuta as queixas das paralisias de suas pacientes histéricas, Winnicott recebe uma mãe que traz uma criança que não quer comer ou que sofre de somatizações, e Melanie Klein introduz as relações interpessoais em sua produção brilhante e revolucionária. O papel da mãe é cada vez mais considerado. Assim a posição de uma postura edípica passa para uma posição bipessoal, do falo ao seio, do triangulo à relação com a mãe ao estudar o primeiro vínculo emocional com a mãe, em termos de experiências sensoriais, afetivas e de constituição do psiquismo.
        Winnicott propõe a noção de um ser humano que já traz em si as potencialidades do viver, por acreditar no potencial criativo humano. O que constitui a natureza humana e está em jogo nesta, é o seu acontecimento como ser humano, ou seja, a sua continuidade de “ser” como pessoa. O autor recusa a objetificação do ser humano, ou seja, o autor recusa o naturalismo e o determinismo, pois o ser humano não é um mero fato, um efeito de causas, uma coisa em conexão causal com outras coisas da natureza.    
       Para este autor o inicio dos problemas psicológicos do ser humano está no vínculo entre o recém-nascido e a mãe, pois a base da estabilidade mental está na dependência das experiências iniciais do bebê e sua mãe, e principalmente de seu estado emocional.   Para Winnicott há três espaços psíquicos na estruturação do ser humano: o interno, o esterno e o transicional. O espaço transicional se constitui numa zona intermediária que vai do narcisismo primário até o ajuizamento da realidade, pois o autor acredita que no início há objetos que não são internos, como também não são externos, só depois vira a delimitação entre ambos. A mãe ao nomear o filho unifica-o, sendo sua tarefa a de juntar os pedacinhos do bebê, permitindo assim que a criança se sinta dentro dela. O autor não considera os fatores internos tão determinantes quanto os externos, porém o “ambiente mãe” é um elemento fundamental, pois as falhas ambientais constituem a etiologia principal dos quadros psicopatológicos.
        O funcionamento da mãe é de um “ego auxiliar” da criança, PIS a sustentação que deve ser exercida pela mãe de verá ser bem sucedida para que a criança possa viver essa sustentação como uma “continuidade existencial”.   Quando esta sustentação falha, o bebê viverá uma experiência subjetiva de ameaça a qual se constitui num obstáculo para o seu desenvolvimento normal. Quando esta sustentação, a que o autor chama de “holding”, não for adequada, provoca uma alteração no desenvolvimento da criança pela incapacidade materna de interpretar as necessidades de seu bebê.


domingo, 17 de novembro de 2013

A IMPORTANCIAS DOS SONHOS


SPOB-POLO/RS


 Castilho S. Sanhudo,Psicanalista Didata

Introdução continuação
Freud: Os sonhos são guardiães do sono, e não perturbadores dele.
Quando nos perguntamos sobre a razão e utilidade para os sonhos, analisando os resultados das experiências com privação do sono, percebemos que a privação da fase REM do sono determina importantes alterações no funcionamento cerebral e que após cessar a privação boa parte do tempo REM de sono e dos PGO inibidos acabam por ser recuperados, o que permite concluir que o "sono REM e os potenciais PGO são fenômenos necessários para o cérebro. Poderíamos, então, pensar que os sonhos (ligados ao sono REM e aos potenciais PGO) também estão regulados a longo prazo e que são fenômenos necessários ao cérebro".
Devido à integração entre as funções, conforme apresentado até aqui, podemos entender que uma destas necessidades estaria relacionada com o trabalho de fixação da memória de longo prazo, dado corroborado pelos achados que apontam para um aumento na síntese protéica (plasticidade cerebral) durante o sono REM, de modo especial na região do sistema reticular e amígdala temporal.

A Psicanálise e os sonhos
Este estudo psicanalítico dos sonhos será feito a partir do texto freudiano
E interessante ter-se a idéia do significado deste título; para tal cito abaixo o comentário do revisor geral da tradução portuguesa:
"Convém lembrar que esse título, Die Traumdeutungm, não expressa propriamente a idéia de uma 'interpretação' (fechada, final ou única) dos sonhos, mas a de uma busca do sentido dos sonhos, evidentemente entendidos por Freud como dotados de sentido para cada sujeito ao sonhar; como produções psíquicas que eram um efeito desse sentido. Para o leitor de língua alemã, essa postura freudiana ficava clara no título da obra".
Os meios intelectuais e materiais para compor o livro já eram do domínio de Freud desde a conclusão dos Estudos sobre histeria (1895), quando faz comentários sobre a importância dos sonhos em relação ao caso da Sra. Emmy von N.
Também comenta com Fliess, na carta de 04/03/1895, sobre o sentido dos sonhos, no caso um sonho de conveniência relatado por sobrinho de Breuer.
Além disso, é de 24/06/1895 o primeiro sonho interpretado por Freud - o Sonho da Injeção de Irma.
A idéia de pôr em livro estes conhecimentos apareceu em 1897 - durante sua auto-análise - mas foi abandonada. Retomando o projeto em maio de 1898, alcançou sua conclusão em 1899 com o aparecimento da primeira edição, que vendeu 351 exemplares em 6 anos ( ou 58 exemplares por ano); ou 4 exemplares por mês!).
Ao todo foram 8 edições:
1a edição - 1899, 375 páginas. Observar a visão psicopatológica de Freud sobre os sonhos apresentada no prefácio: "Tentei neste volume fornecer uma explicação da interpretação dos sonhos e, ao fazê-lo creio não ter ultrapassado a esfera de interesse abrangido pela neuropatoloqia. Pois a pesquisa psicológica mostra que o sonho é o primeiro membro de uma classe de fenômenos psíquicos anormais, da qual outros membros, como as fobias histéricas, as obsessões e os delírios, estão fadados por motivos práticos, a constituir um tema de interesse para os médicos".
Mais tarde, contudo, sua posição mudou, de tal forma que encontramos nas Conferências Introdutórias que: Os sonhos não são fenômenos patológicos; podem ocorrer em qualquer pessoa sadia, nas condições do estado do sono.
2a edição - 1909, ampliada e revisada, com 418 páginas. No prefácio desta edição Freud já apresenta sua característica de atualização de conceitos, quando nos adverte: "Quem estiver familiarizado com meus outros textos (sobre a etiologia e o mecanismo das psiconeuroses) saberá que jamais apresentei opiniões inconclusivas como se fossem fatos estabelecidos, e que sempre procurei modificar minhas afirmações de modo a mantê-la em dia com meu conhecimento crescente".
3a edição, 1911, ampliada e revisada, com 418 páginas. E nesta edição que aparece o capítulo sobre o Simbolismo dos sonhos. "Minha própria experiência, bem como as obras de Willelm Stekel e outros, ensinaram-me desde então a fazer uma apreciação mais verdadeira da extensão e importância do simbolismo nos sonhos (ou, antes, no pensamento inconsciente)."
4a edição, 1914, revisada e ampliada, com 498 páginas. Apresenta a contribuição de Otto Rank com dois textos - posteriormente retirados: 'Os sonhos e a Literatura Criativa" e os "Sonhos e Mitos".
5a edição, 1919, revisada e ampliada, com 474 páginas.
6a(1921) e 7a edição(1922), são reimpressões da 4a edição.
8a edição, 1929, revisada, ampliada, com 435 páginas. E desta edição que James Strachey fez a tradução de cuja 3a edição inglesa (1931) fez-se a versão para o português. Em seu prefácio encontramos a referência de Freud sobre a importância por ele atribuída a esta obra: "Contém, mesmo de acordo com meu iulqamento atual, a mais valiosa de todas as descobertas aue tive a felicidade de fazer. Um discernimento claro como esse só acontece uma vez na vida".
A obra apresenta sete capítulos, distribuídos em dois volumes IV e V das Obras Completas ( as edições originais sempre foram num único volume, exceto edições especiais como a de 1925).
Capítulo I - A literatura científica que trata dos problemas dos sonhos
Freud comenta o material existente até então, principalmente o ponto de vista dos autores da época e a visão popular sobre os sonhos.
Capítulo II - O método de interpretação do sonhos: análise de um sonho modelo.
Freud apresenta seu Sonho de Iniecão de Irmã como exemplo de seu método de trabalho com os sonhos.
Capítulo III - O sonho é realização de um desejo
Freud comenta o sentido último dos sonhos, a realização disfarçada de um desejo. O objetivo do capítulo foi apresentado para Fliess em 06/08/1899: "A coisa está planejada segundo o modelo de um passeio imaginário. No começo, a floresta escura dos autores (que não enxergam árvores), irremediavelmente perdidos nas trilhas erradas. Depois, uma trilha oculta pela qual conduzo o leitor - meu sonho exemplar, com suas Deculiarirlafte?; nnrmpnnrPQ inHicrrirnoc o niaHac Ho mau nncfn - e então, de repente, o planalto com seu programa e a pergunta em que direção você quer ir agora?"
Capítulo IV - A distorção nos sonhos
Freud começa a apresentar seu entendimento da formação dos sonhos, é onde cita pela primeira vez a existência de um "trabalho dos sonhos".
Capítulo V - O material e as fontes dos sonhos
Freud retoma o assunto das fontes determinantes dos sonhos, faz uma avaliação das fontes somáticas, referidas pelos especialistas e pela visão popular, frente a suas idéias de fontes psíquicas para o desenvolvimento dos sonhos.
Capítulo VI - O trabalho dos sonhos
É o capítulo mais extenso do livro, onde Freud descreve os mecanismos que compõem o trabalho dos sonhos (condensação, deslocamento, representabilidade, elaboração secundária), e também os aspectos simbólicos presentes nos sonhos, tema introduzido a partir da3a edição (1911).
Capítulo VII - A psicologia dos processos oníricos
Capítulo básico da teoria psicanalítica, onde Freud apresenta seu aparelho psíquico e a sua concepção tópica (teoria topográfica). O texto servirá de base para o trabalho do módulo.


sábado, 16 de novembro de 2013

A IMPORTÂNCIA DOS SONHOS

Parte I – Apostila Interpretação dos sonhos
 Curso de Capacitação em Psicanálise
SPOB-POLO/RS
Psicanalista: Castilho S. Sanhudo
Nós vivemos entre duas realidades: - a vida objetiva       (realidade externa, realidade propriamente dita) e a vida subjetiva, isto é da nossa vida psíquica (realidade interna: é sempre agressiva e representa, por isso o desprazer. A Segunda vem ao encontro daquilo que ideamos, queremos, ou desejamos). Por isso, representa o prazer.
Para que exista um equilíbrio entre essas duas realidades, a natureza nos deu a faculdade de sonhar. Através dos sonhos nós vivemos, então, a nossa vida. Através deles realizamos os nossos sonhos como uma função psíquica encarregada de compensar, de suavizar, de substituir mesmo, uma realidade, que nos é hostil por outra, totalmente diferente, onde um novo mundo se descortina diante da alma e onde todas as nossas ações  parecem absurdas, justamente porque as censuráveis na sociedade em que vivemos, gozam enquanto dormimos, de uma espécie de liberdade condicional, quando se expande nos sonhos.
Há sonhos lindos, sonhos inesquecíveis, que a gente lamenta quando se desfazem. Outros são tão feios, digamos assim, que quando se dissipam damos um longo suspiro de desafogo, e ainda com mais profunda alegria dizemos entre nós mesmo: “Felizmente tudo não passou de um sonho!”.
Mas, se os sonhos foram criados para compensar e nos dar a felicidade procurada pelo nosso eu,  por que então não são todos lindos ? Por que nos atormentam ? É que, em verdade, há mais alguma coisa a pesquisar no mecanismo dos sonhos.
A finalidade destes é , sem duvida nenhuma, a   de realizar todos os nossos desejos, por mais absurdos que se apresentem a nossa mente. A psicanálise já os definiu, como sendo “uma realização de desejos”. Entretanto, nem sempre a elaboração onírica consegue este ideal, além de outra dificuldade se apresentar, ainda, para justificar a aparente incoerência que existe em tal definições.
Para compreender as razões existentes, no primeiro caso, é bastante considerarmos o seguinte : Tal qual acontece na vida desperta há, também, enquanto dormimos, uma censura, que impede os sonhos de se apresentarem límpidos, simples, ou compreensíveis, como desejávamos que fossem, pois essa instancia censora é, como fácil de deduzir, uma conseqüência da mesma censura íntima, que nos vigia constantemente , em nossa vida desperta, pautando as nossas atitudes quer através de palavras (escondendo) os sentimentos que não devem ser exteriorizados, quer através de atos, ou ações condenados pelo meio social.
Quando dormimos somos controlados, muito embora de maneira bem mais fraca do que quando estamos em estado de vigília.
Só assim se explica certos sonhos, nos quais a ação da censura é mínima ou mesmo quase indiferente, como acontece nos sonhos infantis.
A outra dificuldade é a que se refere a qualidade do desejo porque nem sempre “conscientemente” desejamos uma coisa, há realmente determinados desejos que nos passam como um relâmpago pela nossa cabeça, mas que são imediatamente condenados pela razão, ou melhor pela consciência. O inconsciente, contudo guarda a impressão.