Curso de Livre de Capacitação em Psicanálise
Módulo VI - Teoria Psicanalítica III (Freud) - dia 17 e 18 de Outubro.
I
A experiência nos ensinou que a terapia
psicanalítica - a libertação de alguém de seus sintomas, inibições e
anormalidades de caráter neuróticas - é um assunto que consome tempo. Daí,
desde o começo, tentativas terem sido feitas para encurtar a duração das
análises. Tais esforços não exigiam justificação; podiam alegar que se baseavam
nas mais fortes considerações de razão e conveniência. Provavelmente, porém,
havia também em ação neles algum traço do desprezo impaciente com que a ciência
médica de dias anteriores encarava as neuroses como conseqüências importunas de
danos invisíveis. Se agora se tornou necessário atendê-las, deveríamos, pelo menos,
livrar-nos delas tão rapidamente quanto possível.
Uma tentativa particularmente enérgica
nesse sentido foi efetuada por Otto Rank, secundando seu livro O Trauma do
Nascimento (1924). Supôs ele que a verdadeira fonte da neurose era o ato do
nascimento, uma vez que este envolvia a possibilidade de a ‘fixação primeva’ de
uma criança à mãe não ser superada, mas persistir como ‘repressão primeva’.
Rank tinha esperança de que, se lidássemos com esse trauma primevo através de
uma análise subseqüente, nos livraríamos de toda a neurose. Assim, esse pequeno
fragmento de trabalho analítico pouparia a necessidade de todo o resto e alguns
meses seriam suficientes para realizá-lo. Não se pode discutir que o argumento
de Rank era audaz e engenhoso, mas não suportou o teste do exame crítico.
Ademais, foi um produto de seu tempo, concebido sob a tensão do contraste entre
a miséria do pós-guerra na Europa e a ‘prosperity’ dos Estados Unidos, e
projetado para adaptar o ritmo da terapia analítica à pressa da vida americana.
Não ouvimos muito sobre o que a colocação em prática do plano de Rank fez pelos
casos de doença. Provavelmente, não fez mais do que faria o Corpo de Bombeiros
se, chamado para socorrer a uma casa que se incendiara por causa de uma lâmpada
a óleo emborcada, se contentasse em retirar a lâmpada do quarto em que o fogo
começara. É fora de dúvida que, por esse meio, seria conseguida uma
considerável diminuição das atividades dos bombeiros. A teoria e a prática do
experimento de Rank são hoje coisas do passado - não menos do que a própria
‘prosperidade’ americana.
Eu mesmo adotei outro modo de acelerar
um tratamento analítico, inclusive antes da guerra. Nessa época, aceitei o caso
de um jovem russo, homem estragado pela opulência, que chegara a Viena em estado
de completo desamparo, acompanhado por um médico particular e um assistente. No
curso de poucos anos, foi possível devolver-lhe grande parte de sua
independência, despertar seu interesse pela vida e ajustar suas relações com as
pessoas que lhe eram mais importantes. Mas aí o progresso se interrompeu. Não
progredimos mais no esclarecimento da neurose de sua infância, em que se
baseava a doença posterior, e era óbvio que o paciente achava sua situação
atual altamente confortável e não desejava dar qualquer passo à frente que o
trouxesse para mais perto do fim do tratamento. Era um caso de tratamento a
inibir-se a si próprio; corria perigo de fracassar em resultado de seu -
parcial - sucesso. Nesse dilema, recorri à medida heróica de fixar um limite de
tempo para a análise. Ao início de um ano de trabalho, informei o paciente de
que o ano vindouro deveria ser o último de seu tratamento, não importando o que
ele conseguisse no tempo que ainda lhe restava. A princípio, não acreditou em
mim, mas, assim que se convenceu de que eu falava absolutamente a sério, a
mudança desejada se estabeleceu. Suas resistências definharam e, nesses últimos
meses de seu tratamento, foi capaz de reproduzir todas as lembranças e
descobrir todas as conexões que pareciam necessárias para compreender sua
neurose primitiva e dominar a atual. Quando me deixou, em meados do verão de
1914, suspeitando tão pouco quanto o restante de nós do que estava tão próximo
à frente, acreditei que sua cura fora radical e permanente.
Numa nota de rodapé acrescentada em 1923
à história clínica desse paciente, já comunicara que eu estava enganado.
Quando, por volta do fim da guerra, ele retornou a Viena, refugiado e
destituído, tive de ajudá-lo a dominar uma parte da transferência que não fora
resolvida. Isso foi realizado em alguns meses, e pude encerrar minha nota de
rodapé com a declaração de que, ‘desde então, o paciente tem-se sentido normal
e se comportado de modo não excepcional, apesar de a guerra tê-lo despojado de
seu lar, de suas posses e de todos os seus relacionamentos familiares’. Quinze
anos se passaram desde então sem que tenha sido refutada a verdade desse
veredicto, mas certas reservas tornaram-se necessárias. O paciente permanecera
em Viena e mantivera um lugar na sociedade, ainda que humilde. Diversas vezes,
porém, durante esse período, seu bom estado de saúde foi interrompido por
crises de doença que só podiam ser interpretadas como ramificações de sua
doença perene. Graças à perícia de uma de minhas alunas, a Dra. Ruth Mack
Brunswick, um breve tratamento, nessas ocasiões, pôs fim a essas condições.
Tenho esperança de que a própria Dra. Mack Brunswick dentro em breve comunique
as circunstâncias. Algumas dessas crises ainda estavam relacionadas a partes
residuais da transferência, e onde isso assim acontecia, por efêmeras que
fossem, apresentavam caráter distintamente paranóico. Em outras crises,
contudo, o material patogênico consistia em fragmentos da história da infância
do paciente, que não tinham vindo à luz enquanto eu o estava analisando e que
agora se desprendiam - a comparação é inevitável - como suturas após uma
operação ou pequenos fragmentos de osso necrosado. Achei a história do
restabelecimento do paciente pouco menos interessante do que a de sua doença.
Subseqüentemente, empreguei a fixação de
um limite de tempo também em outros casos, e levei ainda em consideração as
experiências de outros analistas. Só pode haver um veredicto sobre o valor
desse artifício de chantagem: é eficaz desde que se acerte com o tempo correto
para ele. Mas não se pode garantir a realização completa da tarefa. Pelo
contrário, podemos estar seguros de que, embora parte do material se torne
acessível sob a pressão da ameaça, outra parte será retida e, assim, ficará
sepultada, por assim dizer, e pedida para nossos esforços terapêuticos, pois,
uma vez que o analista tenha fixado o limite de tempo, não pode ampliá-lo; de
outro modo, o paciente perderia toda a fé nele. A saída mais óbvia seria, para
o paciente, continuar o tratamento com outro analista, embora saibamos que tal
mudança envolveria nova perda de tempo e o abandono dos frutos do trabalho já
realizado. Tampouco se pode estabelecer qualquer regra geral quanto à ocasião
correta para recorrermos a esse artifício técnico compulsório; a decisão deve
ser deixada ao tato do analista. Um erro de cálculo não pode ser retificado. O
ditado de que o leão só salta uma vez deve ser aplicado aqui.