A psicanálise intensiva,
a “cura pela fala” enraizada nas idéias de Freud, pode estar sob ameaça numa
era de tratamentos farmacológicos e pressão por eficácia financeira da
assistência médica. Mas cientistas estão relatando agora que ela pode ser
eficiente contra alguns problemas mentais crônicos, incluindo a ansiedade e a
personalidade limítrofe.
Em uma revisão de 23
estudos sobre esse tipo de tratamento envolvendo 1.053 pacientes, os
pesquisadores concluíram que essa forma de terapia, mais intensiva, aliviou
sintomas dos problemas com muito mais eficácia do que algumas terapias de curto
prazo.
Em estudo na revista
“Jama”, da Associação Médica Americana, os autores emitem um alerta para que
mais terapias “psicodinâmicas”, como as definem, sejam testadas antes que
acabem descartadas como meras curiosidades históricas.
A revisão no “Jama” foi a
primeira do tipo para psicanálise a aparecer numa revista técnica médica de
alto impacto, e os estudos nos quais o novo artigo se baseia não são muito
conhecidos dos médicos em geral.
Por muitos anos, nos EUA,
esse campo tem resistido ao escrutínio científico, sob alegação de que o
processo de tratamento é altamente individualizado e, portanto, não se presta a
esse tipo de estudo. O tratamento se baseia na idéia de Freud segundo a qual
sintomas estão enraizados em conflitos psicológicos subjacentes, que podem ser
descobertos por meio do relacionamento próximo paciente-terapeuta.
Atenção intensa
Especialistas alertam que a evidência citada na nova pesquisa ainda é muito
escassa para uma alegação clara de que a terapia psicanalítica é superior a
outros tipos de tratamento, como a terapia cognitiva comportamental, de curto
prazo.
“Mas essa revisão
certamente parece contradizer a noção de que terapias cognitivas ou outras de
curto prazo são melhores que quaisquer outras“, diz Bruce Wampold, psicólogo da
Universidade de Wisconsin. “Quando bem feita, a terapia psicodinâmica parece
ser tão eficaz quanto qualquer outra.”
Os autores da revisão
-Falk Leichsenring, da Universidade de Giessen, e Sven Rabung do Centro Médico
Universitário de Hamburg-Eppendorf, ambos na Alemanha- consideraram só estudos
nos quais a terapia analisada tinha pelo menos duas sessões por semana e
duração maior que um ano.
Os cientistas examinaram
os estudos que seguiram pacientes com diversos problemas mentais, dentre os
quais depressão severa, anorexia nervosa e transtorno da personalidade
limítrofe -caracterizado por medo de abandono e surtos de desespero e carência.
A terapia psicodinâmica
“mostrou efeitos de tratamento significativos, grandes e estáveis, que até
aumentavam significativamente entre o fim do tratamento e a avaliação”, disse
Leichsenring.
A revisão, contudo, não
encontrou correlação entre a melhora dos pacientes e a duração do tratamento. Mas
eles de fato melhoraram, e os psiquiatras afirmaram que ficou claro que
pacientes com problemas emocionais graves e crônicos se beneficiavam da atenção
próxima, freqüente e perseverante dos psicanalistas.
“Se definirmos a
personalidade limítrofe de modo amplo, como uma incapacidade de controlar
emoções, ela se aplica a muitas pessoas que aparecem nas clínicas e são
diagnosticadas com depressão, bipolaridade pediátrica ou vício em drogas”, diz
Andrew
Gerber, psiquiatra da
Universidade Columbia, Para alguns pacientes, diz, “esse estudo sugere que a
terapia de longo prazo é necessária para a melhora durar“.
Freud
no “Jama”
Alguns psicanalistas
ficaram mais surpresos com a publicação que veiculou o estudo do que com o
resultado do trabalho. Artigos de revisão no “Jama” e em outras revistas
médicas costumam analisar centenas de estudos, enquanto a revisão de agora
tinha só 23. O trabalho de Leichsenring é encorajador, dizem, mas é também
sinal de que muitos outros estudos precisam ser feitos.
Barbara Milrod, psiquiatra
do Weill Cornell Medical College, que também adota terapia psicodinâmica,
afirma que mais pesquisas são cruciais para a sobrevivência dessa linha como um
tratamento válido.
“Vamos cair na real”,
diz. “Os grandes centros médicos estão encerrando os programas de treinamento
psicodinâmicos porque não há uma base de evidências adequada.”