Parte
I de III
Conteúdo
da Apostila de Psiquiatria e Psicanálise
Curso
de Capacitação em Psicanálise-SPOB-POLO/RS
Os
ensaios clínicos que testam a eficácia de novas drogas no controle de
transtornos psiquiátricos e comportamentais, como a depressão, a dependência
química e a esquizofrenia, têm observado resultados melhores quando associam à
medicação abordagens psicoterápicas diversas.
Nesta
perspectiva, a Associação Americana para a Psiquiatria Acadêmica e a Associação
Americana de Diretores de Treinamento em Residência Psiquiátrica defendem a
necessidade da aplicação clínica dos conceitos de mecanismos de defesa,
dinâmica inconsciente, transferência e contratransferência na prática
psiquiátrica. Disto dependeria a efetividade da prescrição dos psicofármacos,
das técnicas cognitivo comportamentais e do trabalho psiquiátrico em geral. O
exercício adequado da psiquiatria não poderia estar dissociado da utilização de
diferentes técnicas psicoterápicas dinâmicas, dependendo das necessidades dos
pacientes. A evidência de que diferentes abordagens psicoterápicas breves, com
duração e distanciamento terapeuta-paciente específicos, possam trazer
resultados positivos para o sujeito enfermo vem se acumulando, nas últimas
décadas. A importância de tal fato para a Saúde Pública é enorme. Ao lado da escassez dos recursos para o investimento
em saúde, existe a necessidade de expandirmos os tratamentos dinâmicos para
além das classes abastadas das grandes cidades. Devemos, portanto, pensar na
capacitação de técnicos, sem a formação longa e custosa em psicanálise, na
utilização de diferentes tipos de psicoterapias dinâmicas breves,
possibilitando a difusão dos seus benefícios a um número maior de indivíduos na
nossa sociedade. A psicoterapia de apoio favorece mais a adaptação
intrapsíquica e interpessoal do que mudanças estruturais profundas Em
“Psicanálise, psicoterapia psicanalítica e psicoterapia de apoio: controvérsias
contemporâneas” (capítulo publicado no livro “Psicanálise contemporânea:
revista francesa de psicanálise: número especial, 2001”, organizado por André
Green e lançado no Brasil pela Imago, em 2003), o psicanalista Otto Kernberg
analisa a relação entre a psicanálise, a psicoterapia psicanalítica e a
psicoterapia de apoio, pois reconhece que inúmeros pacientes, por motivos de
gravidade das suas patologias e/ou recursos financeiros limitados, não podem
ser submetidos à psicanálise clássica. As psicoterapias dinâmicas derivadas da
psicanálise teriam utilidade para essas pessoas. Segundo o autor, a psicanálise
buscaria uma mudança estrutural fundamental, integrando o conflito inconsciente
ou dissociado no ego consciente. A psicoterapia analítica teria uma proposta de
mudança do sintoma no “aqui e agora”, o que envolveria mudanças parciais na
estrutura fundamental do sujeito. Por outro lado, a psicoterapia de apoio
levaria à melhora do sintoma, não por mudanças estruturais, mas por meio de
rearranjos na composição dinâmica de impulsos e defesas, reforçando defesas
mais adaptativas. O autor observa que tais modalidades diferem na maneira que
utilizam o que define como os três elementos fundamentais do método psicanalítico,
quais sejam, a interpretação, a análise da transferência e a neutralidade
técnica. O abandono da neutralidade técnica pode ocorrer na psicoterapia
psicoanalítica, o que permite que o terapeuta, no decorrer da análise, possa
intervir em situações externas que colocariam a vida do paciente ou o
tratamento em risco. Na terapia de apoio esse abandono seria mais completo. Tal
modalidade de tratamento não objetiva a interpretação da transferência, embora
atenta a ela. Não obstante, utiliza elementos da técnica interpretativa, como a
clarificação e a confrontação, podendo dar apoio cognitivo e emocional ao
paciente através da sugestão e do reasseguramento. Além disso, a terapia de
apoio pode utilizar uma intervenção direta no ambiente, integrando a família e outros
membros da equipe de saúde ao tratamento. Segundo Kernberg, ao contrário da
psicanálise clássica, a psicoterapia psicanalítica e a psicoterapia de apoio
seriam mais indicadas para o tratamento de casos severos como comportamentos
suicidas, distúrbios alimentares, alcoolismo, dependência de drogas e
comportamento anti-social exacerbado. A literatura em saúde mental evidencia o
efeito similar entre as psicoterapias de curta e longa duração
Na
introdução ao livro “Terapia Interpessoal e Dinâmica Breve”(Levenson, H. Et al.
Brief Dynamic and Interpersonal Therapy. 2ª Ed, Washington, DC, American
Psychiatric Publishing, 2002), os autores observam que as estimativas pontuam
que 90% dos indivíduos deixam o tratamento até a décima sessão. Isto não
significa total falha no tratamento, porque a metade destes sujeitos relata
algum grau de benefício, mesmo no curto tempo de permanência. As psicoterapias
de curta duração são melhores do que nenhuma terapia, revelam os estudos de
avaliação, que não conseguem demonstrar a superioridade terapêutica dos métodos
mais longos sobre as abordagens psicoterápicas mais breves. Existe uma
crescente demanda por terapias mais breves, atendendo à limitação dos recursos
e às necessidades dos indivíduos de alívio imediato do sofrimento psíquico. As
abordagens breves envolvem de seis a 25 sessões. Não são terapias de longa
duração “desidratadas”, mas requerem um treinamento especializado, seguindo
métodos específicos. Infelizmente, segundo os autores, os clínicos de
orientação dinâmica, com trabalhos longos e em profundidade, resistem às
técnicas mais breves. São fontes dessa resistência a crença de que quanto mais
sessões melhor, o perfeccionismo terapêutico, a confusão entre os interesses do
terapeuta e do paciente e a reação negativa acerca da necessidade de centrar o
tratamento nas características do paciente. Portanto, não há apenas a
necessidade de treinamento em terapias breves, mas de mudança de atitude e de valores
em relação à efetividade dessas terapias, considerando a realidade clínica dos
seus bons resultados num curto espaço de tempo.