Parte
III - Final
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo
Qualquer analista que, talvez pela grandeza do seu
coração e por sua vontade de ajudar, estende ao paciente tudo o que um ser
humano pode esperar receber de outro, comete o mesmo erro econômico de que são
culpadas as nossas instituições não-analíticas para pacientes nervosos. O único
propósito destas é tornar tudo tão agradável quanto possível para o paciente,
de modo a este poder sentir-se bem ali e alegrar-se de novamente ali
refugiar-se das provações da vida. Ao fazê-lo, não tentam dar-lhe mais força
para enfrentar a vida e mais capacidade para levar a cabo as suas verdadeiras
incumbências nela. No tratamento analítico, tudo isso deve ser evitado. No que
diz respeito às suas relações com o médico, o paciente deve ser deixado com
desejos insatisfeitos em abundância. É conveniente negar-lhe precisamente
aquelas satisfações que mais intensamente deseja e que mais importunamente
expressa.
Não penso haver esgotado o repertório de atividade
desejável por parte do médico, ao dizer que uma condição de privação deve ser
mantida durante o tratamento. A atividade em outra direção durante o tratamento
analítico já foi, como hão de lembrar-se, um ponto de debate entre nós e a
escola suíça. Recusamo-nos, da maneira mais enfática, a transformar um
paciente, que se coloca em nossas mãos em busca de auxílio, em nossa
propriedade privada, a decidir por ele o seu destino, a impor-lhe os nossos
próprios ideais, e, com o orgulho de um Criador, a formá-lo à nossa própria
imagem e verificar que isso é bom. Ainda endosso essa recusa, e acho que é este
o lugar adequado para a discrição médica, que, em outros aspectos, somos
obrigados a ignorar. Aprendi também, por experiência própria, que uma tal atividade,
de tão longo alcance em relação aos pacientes, não é de forma alguma necessária
para os objetivos terapêuticos. Isso porque consegui ajudar pessoas com as
quais nada tinha em comum — nem raça, nem educação, nem posição social, nem
perspectiva de vida em geral — sem afetar sua individualidade. Na época da
controvérsia, falei justamente disso, tinha a impressão de que as objeções dos
nossos porta-vozes — penso que foi Ernest Jones quem assumiu o papel principal
— eram por demais ásperas e inflexíveis. Não podemos evitar de aceitar para
tratamento determinados pacientes que são tão desamparados e incapazes de uma
vida comum, que, para eles, há que se combinar a influência analítica com a
educativa; e mesmo no caso da maioria, vez por outra surgem ocasiões nas quais
o médico é obrigado a assumir a posição de mestre e mentor. Mas isso deve
sempre ser feito com muito cuidado, e o paciente deve ser educado para liberar
e satisfazer a sua própria natureza, e não para assemelhar-se conosco.
Nosso estimado amigo J. J. Putnam, em terra
americana, a qual agora se mostra tão hostil a nós, deve perdoar-nos se também
não podemos aceitar a sua proposta — ou seja, a de que a psicanálise deve
colocar-se a serviço de uma determinada perspectiva filosófica sobre o mundo e
deve impô-la ao paciente com o propósito de enobrecer-lhe a mente. Na minha
opinião, em última análise isto é apenas usar de violência, ainda que se
revista dos motivos mais honrosos.
Por fim, um tipo bastante diferente de atividade
torna-se necessário pela apreciação gradativamente crescente de que as várias
formas de doenças tratadas por nós não podem ser manipuladas mediante a mesma
técnica. Seria prematuro expô-lo detalhadamente, mas posso dar dois exemplos do
modo pelo qual entra em questão um novo tipo de atividade. A nossa técnica
desenvolveu-se no tratamento da histeria e ainda é dirigida, principalmente, à
cura daquela afecção. As fobias, porém, já tornaram necessário que
ultrapassemos os nossos antigos limites. Dificilmente se pode dominar uma fobia,
se se espera até que o paciente permita à análise influenciá-lo no sentido de
renunciar a ela. Nesse caso, ele jamais trará para a análise o material
indispensável a uma solução convincente da fobia. Deve-se proceder de forma
diferente. Tome-se o exemplo da agorafobia; existem dois tipos de agorafobia,
um brando, o outro grave. Os pacientes que pertencem ao primeiro tipo sofrem de
ansiedade quando vão sozinhos à rua, mas não desistiram ainda de sair
desacompanhados por causa disso; os outros protegem-se da ansiedade deixando
completamente de sair sozinhos. Com estes últimos, só se obtém êxito quando se
consegue induzi-los, por influência da análise, a comportarem-se como os
pacientes fóbicos do primeiro tipo — isto é, a ir para a rua e lutar com a
ansiedade enquanto realizam a tentativa. Começa-se, portanto, por moderar a
fobia; e apenas quando isso foi conseguido por exigência do médico é que
afloram à mente do paciente as associações e lembranças que permitem resolver a
fobia.
Nos casos graves de atos obsessivos, uma atitude de
espera passiva parece ainda menos indicada. Na verdade, de um modo geral esses
casos tendem a um processo ‘assintótico’ de recuperação, a um protraimento
interminável do tratamento. A sua análise corre sempre o perigo de trazer muita
coisa à tona e não modificar nada. Julgo existirem poucas dúvidas de que a
técnica correta, aqui, só pode consistir em esperar até que o tratamento em si
se torne uma compulsão, e então, com essa contracompulsão, suprimir
forçosamente a compulsão da doença. Os senhores perceberão, no entanto, que
esses dois exemplos que lhes dei são apenas amostras dos novos avanços para os
quais a nossa terapia tende.
Agora, concluindo, tocarei de relance numa situação
que pertence ao futuro — situação que parecerá fantástica a muitos dos
senhores, e que, não obstante, julgo merece que estejamos com as mentes
preparadas para abordá-la. Os senhores sabem que as nossas atividades
terapêuticas não têm um alcance muito vasto. Somos apenas um pequeno grupo e,
mesmo trabalhando muito, cada um pode dedicar-se, num ano, somente a um pequeno
número de pacientes. Comparada à enorme quantidade de miséria neurótica que
existe no mundo, e que talvez não precisasse existir, a quantidade que podemos
resolver é quase desprezível. Ademais, as nossas necessidades de sobrevivência
limitam o nosso trabalho às classes abastadas, que estão acostumadas a escolher
seus próprios médicos e cuja escolha se desvia da psicanálise por toda espécie
de preconceitos. Presentemente nada podemos fazer pelas camadas sociais mais
amplas, que sofrem de neuroses de maneira extremamente grave.
Vamos presumir que, por meio de algum tipo de
organização, consigamos aumentar os nossos números em medida suficiente para
tratar uma considerável massa da população. Por outro lado, é possível prever
que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e
lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à
sua mente, quando o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses
ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose, de que, como esta,
também não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros individuais da
comunidade. Quando isto acontecer, haverá instituições ou clínicas de pacientes
externos, para as quais serão designados médicos analiticamente preparados, de
modo que homens que de outra forma cederiam à bebida, mulheres que praticamente
sucumbiriam ao seu fardo de privações, crianças para as quais não existe
escolha a não ser o embrutecimento ou a neurose, possam tornar-se capazes, pela
análise, de resistência e de trabalho eficiente. Tais tratamentos serão
gratuitos. Pode ser que passe um longo tempo antes que o Estado chegue a
compreender como são urgentes esses deveres. As condições atuais podem retardar
ainda mais esse evento. Provavelmente essas instituições iniciar-se-ão graças à
caridade privada. Mais cedo ou mais tarde, contudo, chegaremos a isso.Defrontar-nos-emos,
então, com a tarefa de adaptar a nossa técnica às novas condições. Não tenho
dúvidas de que a validade das nossas hipóteses psicológicas causará boa
impressão também sobre as pessoas pouco instruídas, mas precisaremos buscar as
formas mais simples e mais facilmente inteligíveis de expressar as nossa
doutrinas teóricas. Provavelmente descobriremos que os pobres estão ainda menos
prontos para partilhar as suas neuroses, do que os ricos, porque a vida dura
que os espera após a recuperação não lhes oferece atrativos, e a doença dá-lhes
um direito a mais à ajuda social. Muitas vezes, talvez, só poderemos conseguir
alguma coisa combinando a assistência mental com certo apoio material, à
maneira do Imperador José. É muito provável, também, que a aplicação em
larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre
com o cobre da sugestão direta; e também a influência hipnótica poderá ter
novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das neuroses de guerra.
No entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa
assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus
ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente,
aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa.