INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Regra Fundamental da Psicanálise


Parte III - Final
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo
Qualquer analista que, talvez pela grandeza do seu coração e por sua vontade de ajudar, estende ao paciente tudo o que um ser humano pode esperar receber de outro, comete o mesmo erro econômico de que são culpadas as nossas instituições não-analíticas para pacientes nervosos. O único propósito destas é tornar tudo tão agradável quanto possível para o paciente, de modo a este poder sentir-se bem ali e alegrar-se de novamente ali refugiar-se das provações da vida. Ao fazê-lo, não tentam dar-lhe mais força para enfrentar a vida e mais capacidade para levar a cabo as suas verdadeiras incumbências nela. No tratamento analítico, tudo isso deve ser evitado. No que diz respeito às suas relações com o médico, o paciente deve ser deixado com desejos insatisfeitos em abundância. É conveniente negar-lhe precisamente aquelas satisfações que mais intensamente deseja e que mais importunamente expressa.
Não penso haver esgotado o repertório de atividade desejável por parte do médico, ao dizer que uma condição de privação deve ser mantida durante o tratamento. A atividade em outra direção durante o tratamento analítico já foi, como hão de lembrar-se, um ponto de debate entre nós e a escola suíça. Recusamo-nos, da maneira mais enfática, a transformar um paciente, que se coloca em nossas mãos em busca de auxílio, em nossa propriedade privada, a decidir por ele o seu destino, a impor-lhe os nossos próprios ideais, e, com o orgulho de um Criador, a formá-lo à nossa própria imagem e verificar que isso é bom. Ainda endosso essa recusa, e acho que é este o lugar adequado para a discrição médica, que, em outros aspectos, somos obrigados a ignorar. Aprendi também, por experiência própria, que uma tal atividade, de tão longo alcance em relação aos pacientes, não é de forma alguma necessária para os objetivos terapêuticos. Isso porque consegui ajudar pessoas com as quais nada tinha em comum — nem raça, nem educação, nem posição social, nem perspectiva de vida em geral — sem afetar sua individualidade. Na época da controvérsia, falei justamente disso, tinha a impressão de que as objeções dos nossos porta-vozes — penso que foi Ernest Jones quem assumiu o papel principal — eram por demais ásperas e inflexíveis. Não podemos evitar de aceitar para tratamento determinados pacientes que são tão desamparados e incapazes de uma vida comum, que, para eles, há que se combinar a influência analítica com a educativa; e mesmo no caso da maioria, vez por outra surgem ocasiões nas quais o médico é obrigado a assumir a posição de mestre e mentor. Mas isso deve sempre ser feito com muito cuidado, e o paciente deve ser educado para liberar e satisfazer a sua própria natureza, e não para assemelhar-se conosco.
Nosso estimado amigo J. J. Putnam, em terra americana, a qual agora se mostra tão hostil a nós, deve perdoar-nos se também não podemos aceitar a sua proposta — ou seja, a de que a psicanálise deve colocar-se a serviço de uma determinada perspectiva filosófica sobre o mundo e deve impô-la ao paciente com o propósito de enobrecer-lhe a mente. Na minha opinião, em última análise isto é apenas usar de violência, ainda que se revista dos motivos mais honrosos.
Por fim, um tipo bastante diferente de atividade torna-se necessário pela apreciação gradativamente crescente de que as várias formas de doenças tratadas por nós não podem ser manipuladas mediante a mesma técnica. Seria prematuro expô-lo detalhadamente, mas posso dar dois exemplos do modo pelo qual entra em questão um novo tipo de atividade. A nossa técnica desenvolveu-se no tratamento da histeria e ainda é dirigida, principalmente, à cura daquela afecção. As fobias, porém, já tornaram necessário que ultrapassemos os nossos antigos limites. Dificilmente se pode dominar uma fobia, se se espera até que o paciente permita à análise influenciá-lo no sentido de renunciar a ela. Nesse caso, ele jamais trará para a análise o material indispensável a uma solução convincente da fobia. Deve-se proceder de forma diferente. Tome-se o exemplo da agorafobia; existem dois tipos de agorafobia, um brando, o outro grave. Os pacientes que pertencem ao primeiro tipo sofrem de ansiedade quando vão sozinhos à rua, mas não desistiram ainda de sair desacompanhados por causa disso; os outros protegem-se da ansiedade deixando completamente de sair sozinhos. Com estes últimos, só se obtém êxito quando se consegue induzi-los, por influência da análise, a comportarem-se como os pacientes fóbicos do primeiro tipo — isto é, a ir para a rua e lutar com a ansiedade enquanto realizam a tentativa. Começa-se, portanto, por moderar a fobia; e apenas quando isso foi conseguido por exigência do médico é que afloram à mente do paciente as associações e lembranças que permitem resolver a fobia.
Nos casos graves de atos obsessivos, uma atitude de espera passiva parece ainda menos indicada. Na verdade, de um modo geral esses casos tendem a um processo ‘assintótico’ de recuperação, a um protraimento interminável do tratamento. A sua análise corre sempre o perigo de trazer muita coisa à tona e não modificar nada. Julgo existirem poucas dúvidas de que a técnica correta, aqui, só pode consistir em esperar até que o tratamento em si se torne uma compulsão, e então, com essa contracompulsão, suprimir forçosamente a compulsão da doença. Os senhores perceberão, no entanto, que esses dois exemplos que lhes dei são apenas amostras dos novos avanços para os quais a nossa terapia tende.
Agora, concluindo, tocarei de relance numa situação que pertence ao futuro — situação que parecerá fantástica a muitos dos senhores, e que, não obstante, julgo merece que estejamos com as mentes preparadas para abordá-la. Os senhores sabem que as nossas atividades terapêuticas não têm um alcance muito vasto. Somos apenas um pequeno grupo e, mesmo trabalhando muito, cada um pode dedicar-se, num ano, somente a um pequeno número de pacientes. Comparada à enorme quantidade de miséria neurótica que existe no mundo, e que talvez não precisasse existir, a quantidade que podemos resolver é quase desprezível. Ademais, as nossas necessidades de sobrevivência limitam o nosso trabalho às classes abastadas, que estão acostumadas a escolher seus próprios médicos e cuja escolha se desvia da psicanálise por toda espécie de preconceitos. Presentemente nada podemos fazer pelas camadas sociais mais amplas, que sofrem de neuroses de maneira extremamente grave.
Vamos presumir que, por meio de algum tipo de organização, consigamos aumentar os nossos números em medida suficiente para tratar uma considerável massa da população. Por outro lado, é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência à sua mente, quando o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose, de que, como esta, também não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros individuais da comunidade. Quando isto acontecer, haverá instituições ou clínicas de pacientes externos, para as quais serão designados médicos analiticamente preparados, de modo que homens que de outra forma cederiam à bebida, mulheres que praticamente sucumbiriam ao seu fardo de privações, crianças para as quais não existe escolha a não ser o embrutecimento ou a neurose, possam tornar-se capazes, pela análise, de resistência e de trabalho eficiente. Tais tratamentos serão gratuitos. Pode ser que passe um longo tempo antes que o Estado chegue a compreender como são urgentes esses deveres. As condições atuais podem retardar ainda mais esse evento. Provavelmente essas instituições iniciar-se-ão graças à caridade privada. Mais cedo ou mais tarde, contudo, chegaremos a isso.Defrontar-nos-emos, então, com a tarefa de adaptar a nossa técnica às novas condições. Não tenho dúvidas de que a validade das nossas hipóteses psicológicas causará boa impressão também sobre as pessoas pouco instruídas, mas precisaremos buscar as formas mais simples e mais facilmente inteligíveis de expressar as nossa doutrinas teóricas. Provavelmente descobriremos que os pobres estão ainda menos prontos para partilhar as suas neuroses, do que os ricos, porque a vida dura que os espera após a recuperação não lhes oferece atrativos, e a doença dá-lhes um direito a mais à ajuda social. Muitas vezes, talvez, só poderemos conseguir alguma coisa combinando a assistência mental com certo apoio material, à maneira do Imperador José. É muito provável, também, que a aplicação em larga escala da nossa terapia nos force a fundir o ouro puro da análise livre com o cobre da sugestão direta; e também a influência hipnótica poderá ter novamente seu lugar na análise, como o tem no tratamento das neuroses de guerra. No entanto, qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa.



quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Regra Fundamental da Psicanálise


Parte II
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo

Os progressos na nossa terapia, portanto, sem dúvida prosseguirão ao longo de outras linhas; antes de mais nada, ao longo daquela que Ferenczi, em seu artigo ‘Technical Difficulties in an Analysis of Hysteria’ (1919), denominou recentemente ‘atividade’ por parte do analista.
Que se chegue imediatamente a um acordo sobre aquilo que queremos dizer com essa atividade. Já definimos a nossa tarefa terapêutica como algo que consiste em duas coisas: tornar consciente o material reprimido e descobrir as resistências. Nisso, somos ativos o bastante, não há dúvida. Mas devemos deixar que o paciente lide sozinho com as resistências que lhe assinalamos? Não podemos dar-lhe outro auxílio, além do estímulo que ele obtém da transferência? Não parece natural que o devamos ajudar também de outra maneira, colocando-o na situação mental mais favorável à solução do conflito que temos em vista? Afinal de contas, o que ele pode conseguir, depende, também, de uma combinação de circunstâncias externas. Devemos hesitar em alterar essa combinação, intervindo de maneira adequada? Acho que uma atividade dessa natureza, por parte do médico que analisa, é irrepreensível e inteiramente justificada.
Observem que isso abre um novo campo de técnica analítica, cujo desenvolvimento exigirá cuidadosa aplicação, e que levará a regras de procedimento bem definidas. Não tentarei apresentar-lhes hoje essa nova técnica, que ainda está em curso de evolução, mas contentar-me-ei em enunciar um princípio fundamental que provavelmente irá dominar o nosso trabalho nesse campo. É o que se segue: o tratamento analítico deve ser efetuado, na medida do possível, sob privação — num estado de abstinência.
Na medida do possível, a demonstração de que estou certo nesse ponto deve ser deixada para uma exposição mais detalhada. Por abstinência, no entanto, não se deve entender que seja agir sem qualquer satisfação — o que seria certamente impraticável; nem queremos dizer o que o termo popularmente conota, isto é, abster-se da relação sexual; significa algo diferente, que tem muito mais conexão com a dinâmica da doença e da recuperação.
Lembrar-se-ão os senhores de que foi uma frustração que tornou o paciente doente, e que seus sintomas servem-lhe de satisfações substitutivas. É possível observar, durante o tratamento, que cada melhora em sua condição reduz o grau em que se recupera e diminui a força instintual que o impele para a recuperação. Mas essa força instintual é indispensável; a redução dela coloca em perigo a nossa finalidade — a restauração da saúde do paciente. Qual, então, é a conclusão que se nos impõe inevitavelmente? Cruel como possa parecer, devemos cuidar para que o sofrimento do paciente, em um grau de um modo ou de outro efetivo, não acabe prematuramente. Se, devido ao fato de que os sintomas foram afastados e perderam o seu valor, seu sofrimento se atenua, devemos restabelecê-lo alhures, sob a forma de alguma privação apreciável; de outro modo, corremos o perigo de jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias.
Até onde eu possa verificar, o perigo ameaça a partir de duas direções, principalmente. Por um lado, quando a doença foi dominada pela análise, o paciente faz os mais assíduos esforços para criar para si, em lugar dos seus sintomas, novas satisfações substitutivas, que então carecem do aspecto de sofrimento. Faz uso da enorme capacidade de deslocamento possuída pela libido, então parcialmente liberada, com a finalidade de catexizar com a libido e promover à posição de satisfações substitutivas as mais diversas espécies de atividades, preferências e hábitos, sem excluir aqueles que já haviam sido seus. Encontra continuamente novas distrações dessa natureza, para as quais escapa a energia necessária para prosseguir o tratamento, e ele sabe como mantê-las secretas por algum tempo. É tarefa do analista detectar esses caminhos divergentes e exigir-lhe, toda vez, que os abandone, por mais inofensiva que possa ser, em si, a atividade que conduz à satisfação. O paciente meio recuperado pode também ingressar em caminhos menos inofensivos — tal como, por exemplo, se é um homem, quando procura ligar-se prematuramente a uma mulher. Pode-se observar, aliás, que o casamento infeliz e a doença física são as duas coisas que com mais freqüência tomam o lugar de uma neurose. Satisfazem particularmente o sentimento de culpa (necessidade de punição), que faz com que muitos pacientes se apeguem tão rapidamente às suas neuroses. Por uma escolha imprudente no casamento, castigam-se a si próprios; consideram uma longa doença orgânica como uma punição do destino e, conseqüentemente, muitas vezes deixam de manter as suas neuroses.
Em todas as situações como estas, a atividade por parte do médico deve assumir a forma de enérgica oposição a satisfações substitutivas prematuras. É-lhe mais fácil, contudo, evitar o segundo perigo a que se expõe a força propulsora da análise, muito embora este não deva ser subestimado. O paciente procura as suas satisfações substitutivas sobretudo no próprio tratamento, em seu relacionamento transferencial com o médico; e pode até mesmo tentar compensar-se, por esse meio, de todas as outras privações que lhe foram impostas. Algumas concessões devem, certamente, ser-lhe feitas, em maior ou menor medida, de acordo com a natureza do caso e com a individualidade do paciente. Contudo, não é bom deixar que se tornem excessivas. 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Regra Fundamental da Psicanálise


Parte I
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo
SENHORES:

Como sabem, nunca nos vangloriamos da inteireza e do acabamento definitivo de nosso conhecimento e de nossa capacidade. Estamos tão prontos agora, como o estávamos antes, a admitir as imperfeições da nossa compreensão, a aprender novas coisas e a alterar os nossos métodos de qualquer forma que os possa melhorar.
Agora que nos reunimos uma vez mais, após os longos e difíceis anos que atravessamos, sinto-me impelido a rever a posição do nosso procedimento terapêutico — ao qual na verdade, devemos o nosso lugar na sociedade humana — e a assumir uma visão geral das novas direções em que se pode desenvolver.
Assim formulamos a nossa incumbência como médicos: dar ao paciente conhecimento do inconsciente, dos impulsos reprimidos que nele existem, e, para essa finalidade, revelar as resistências que se opõem a essa extensão do seu conhecimento sobre si mesmo A revelação dessas resistências garante que serão também superadas? Certamente nem sempre; mas a nossa esperança é atingir isso explorando a transferência do paciente para a pessoa do médico, de modo a induzi-lo a adotar a nossa convicção quanto à inconveniência do processo repressivo estabelecido na infância e quanto à impossibilidade de conduzir a vida sobre o princípio de prazer. Estabeleci, em outro trabalho, as condições dinâmicas prevalecentes no novo conflito através do qual conduzimos o paciente e que substitui, nele, o seu conflito anterior — o da sua doença. Nesse aspecto, nada tenho a modificar no momento.
Chamamos de psicanálise o processo pelo qual trazemos o material mental reprimido para a consciência do paciente. Por que ‘análise’ — que significa dividir ou separar, e sugere uma analogia com o trabalho, levado a efeito pelos químicos, com substâncias que encontram na natureza e trazem para os seus laboratórios? Porque, em um importante aspecto, existe realmente uma analogia entre os dois trabalhos. Os sintomas e as manifestações patológicas do paciente, como todas as suas atividades mentais, são de natureza altamente complexa; os elementos desse composto são, no fundo,motivos, impulsos instintuais. O paciente, contudo, nada sabe a respeito desses motivos elementares, ou não os conhece com intimidade suficiente. Ensinamo-lo a compreender a maneira pela qual essas formações mentais altamente complicadas são compostas; remetemos os sintomas aos impulsos instintuais que os motivaram; assinalamos ao paciente esses motivos instintuais, que estão presentes em seus sintomas, e dos quais até então não tinha consciência — como o químico que isola a substância fundamental, o ‘elemento’ químico, do sal em que ele se combinara com outros elementos e no qual era irreconhecível. Da mesma forma, no que diz respeito àquelas manifestações mentais do paciente que não são consideradas patológicas, mostramos-lhe que apenas em certa medida ele estava consciente da sua motivação — que outros impulsos instintuais, dos quais permanecera em ignorância, haviam cooperado na causação dessas manifestações.
Mais uma vez, esclarecemos os impulsos sexuais no homem ao dividi-los em seus elementos componentes; e, quando interpretamos um sonho, ignoramos o sonho como um todo e derivamos associações dos seus elementos em separado.
Essa bem fundamentada comparação da atividade médica psicanalítica com um procedimento químico poderia sugerir à nossa terapia uma nova direção. Analisamos o paciente — isto é, dividimos os processos mentais em seus componentes elementares e demonstramos esses elementos instintuais nele, isoladamente; o que seria mais natural do que esperar que também o ajudemos a fazer uma nova e melhor combinação deles? Os senhores sabem que essa exigência tem sido realmente proposta. Disseram-nos que, após a análise de uma mente enferma, deve-se seguir uma síntese. E, relacionada com isso, tem-se expressado a preocupação de que o paciente recebe análise demais e muito pouca síntese; e segue-se então um movimento para colocar todo o peso nessa síntese, como o principal fator no efeito psicoterapêutico, para, nela, ver-se uma espécie de restauração de algo que foi destruído — destruído, por assim dizer, pela vivissecção.
Senhores, contudo não posso achar que essa psicossíntese nos estabelece qualquer nova tarefa. Se me permitisse ser franco e rude, diria que se trata apenas de uma frase vazia. Limitar-me-ei a observar que se trata simplesmente de forçar tanto uma comparação, que ela deixa de ter qualquer sentido; ou, se preferirem, que é uma exploração injustificável de um nome. Um nome, no entanto, é apenas um rótulo aplicado para distinguir uma coisa de outras coisas semelhantes, não um sílabo, uma descrição de seu conteúdo ou uma definição. E os dois objetos comparados precisam apenas coincidir num único ponto, podendo ser inteiramente diferentes um do outro em tudo o mais.
Aquilo que é psíquico, é tão único e singular, que nenhuma comparação pode refletir a sua natureza. O trabalho da psicanálise sugere analogia com a análise química, mas o sugere também, na mesma medida, com a intervenção de um cirurgião, ou com as manipulações de um ortopedista, ou com a influência de um educador. A comparação com a análise química tem a sua limitação: porque, na vida mental, temos de lidar com tendências que estão sob uma compulsão para a unificação e a combinação. Sempre que conseguimos analisar um sintoma em seus elementos, liberar um impulso instintual de um vínculo, esse impulso não permanece em isolamento, mas entra imediatamente numa nova ligação.
Para dizer a verdade, o paciente neurótico, com efeito, apresenta-se-nos com a mente dilacerada, dividida por resistências. À medida que a analisamos e eliminamos as resistências, ela se unifica; a grande unidade a que chamamos ego, ajusta-se a todos os impulsos instintuais que haviam sido expelidos (split off) e separados dele. A psicossíntese é, desse modo, atingida durante o tratamento analítico sem a nossa intervenção, automática e inevitavelmente. Criamos as condições para que isso aconteça, fragmentando os sintomas em seus elementos e removendo as resistências. Não é verdade que algo no paciente tenha sido dividido em seus componentes e aguarde, então, tranqüilamente, que de alguma forma o unifiquemos outra vez.