CENTRO PSICANALÍTICO CONTEMPORÂNEO
A
Psicanálise foi definida por Freud em 1923 como:
1. Um procedimento para a investigação de processos mentais
que são quase inacessíveis por qualquer outro modo,
2. um método (baseado nessa investigação) para tratamento
de distúrbios neuróticos e,
3. uma coleção de investigações psicológicas obtidas ao
longo dessas linhas, e que gradualmente se acumula numa nova disciplina
científica (Dois verbetes de enciclopédia).
A exigência de
cientificidade também alcança a Psicanálise. Contudo, ela possui
características singulares na constituição de suas hipóteses teóricas. Prof.
Freud a define como método investigativo e para tal temos um enquadre: sessões
semanais; tempo das sessões; pagamento; transferência analisada na relação com
o analista; abstinência do analista em julgamento e interferência na vida do
analisando. De forma geral os psicanalistas seguem estes preceitos para o seu
ofício.
Esse enquadre que
possibilita a investigação e é intrínseco à Psicanálise é objeto de críticas ao
seu corpo teórico porque implica em contato direto com o seu objeto , o
inconsciente. O setting analítico engendra o próprio saber. A transposição do
conhecimento oriundo da clínica para o social sempre foi questionada,
considerando-se que o social é atravessado por muitos outros fatores , o que é
verdade, também se questiona a interferência da subjetividade do analista nas
proposições construídas. É uma discussão infrutífera. Os adeptos da cientificidade
têm a seu favor toda a metodologia e validação do discurso das ciências
experimentais. E nós o inconsciente com suas produções...
Caminhando alguns
passos com Castoriadis (1987, p. 138), temos uma responsabilidade que não
podemos ignorar: é o pensar e o fazer num mundo obscuro. Tendo de lado a
matéria psíquica e do outro, exigência de pensar e fazer, sem poder nos
justificar com "um nada a fazer ou nada a pensar sobre isto", para
não correr o risco de sermos chamados de charlatões. É um momento presente que
não há mestre, mas dominantes, exploradores e manipuladores. O discurso sobre a
fala dos mestres pertence aos peões.
Nos afastemos desses
impasses e retomemos a nossa primeira questão, reconhecendo que a insegurança
da prática no social marcada pela matemática e lógica pode nos levar a sermos
dogmáticos e burocratas. Não acreditamos que este seja o nosso destino...
Popper, citado por Kaufmann (1993), nos diz que se o critério de verdade, no
sentido lógico, não pode ser usado, então se deve usar um critério de
demarcação. Dessa forma ficamos analisando que, talvez, devêssemos repensar
o enquadre e tentar transpô-lo para outras situações onde o "psicanalista
sem divã" se encontre. De outro jeito, caímos num lugar de realizar um
ofício que a priori não é possível porque falta aquilo que o constitui.
No corpo teórico da
psicanálise temos conceitos como: castração, limite, falta, feminilidade,
passividade, impotência. Eles se articulam de muitas maneiras nos inúmeros
quadros que se apresentam, sempre denunciando a dificuldade de lidar com o não,
com a incompletude, com a dependência, com o desejo; com a realidade... Não é
nosso objetivo neles nos determos, vamos citá-los para articulá-los
posteriormente com outras idéias. É óbvio para nós que são temas que vai de
encontro à sociedade do impossível ser possível. É um mundo onde o fim do
impossível de ontem parece implicar no cumprimento de todo possível.
Esta situação torna os
sujeitos, instituições e comunidades dependentes dos experts que trarão
as sábias respostas científicas, mesmo que de efêmera duração. Porque esta é a
característica do saber produzido, ser questionado, re-experimentado, renovado.
Se fora do setting
não podemos contar com: 1. uma situação de neutralidade analítica ideal; 2. o
uso da transferência como ferramenta fundamental ao nosso trabalho; 3. dias e
horários da sessão definidos, temos de criar um novo aparato que nos permita
atuar no social. A palavra é nossa arma mesmo que desvalorizada. Se as
instituições, comunidades e qualquer outra realidade conseguirem espaço para se
pronunciarem , isto nós podemos conceder , vão se deparar com o não saber, a
impotência, submissão e servidão a um saber estabelecido, limites de seu
cotidiano... e principalmente com o desamparo de não ter um sábia resposta, o
vácuo se instala ... Esta situação a Psicanálise pode provocar através do
ofício de seus artífices. Porque neste encontro com seus limites, algo começará
a ser criado, construído... margeando os parâmetros atuais de exigências de
cientificidades. Talvez... Mas o lugar de margear discursos estabelecidos
sempre foi nossa sina... e continuaremos a construir "apesar de"...
Lidando com a angústia
do impasse de saber que nenhum de nós pode ser neutro e/ou isento das
influências das tribos que nos rodeiam e das que fazemos parte...
Continuaremos no meio
do ruído ensurdecedor das soluções corretas e científicas, o silêncio do
"não saber" abre espaço para escutar , não ouvir , o diferente, o
novo, deixando espaço para possíveis construções... Descobrindo e
re-descobrindo a cada dia e momento pequenas veredas no emaranhado de caminhos
e guias turísticos desse nosso mundo novo.
"Ao que não podemos
chegar voando, temos de chegar manquejando"
(Freud, S. Além do Princípio do Prazer, 1920).