INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Curtos-circuitos do gozo


Jorge Forbes
 
Quando a palavra não é mais necessária para intermediar o que se quer, para refletir sobre o que se teme, para inquirir o que se ignora; quando a palavra perde sua função de pacto social, ficamos suscetíveis ao curto-circuito do gozo. O gozo que prescinde da palavra é, em conseqüência, ilógico e desregrado.
Estamos no momento do gozo ilógico e desregrado. Alguns exemplos dentre os mais notáveis são as toxicofilias, o fracasso escolar, a delinqüência juvenil, as doenças psicossomáticas. Em cada um desses quadros podemos destacar a impotência da palavra dialogada para alterar o mau estado da pessoa.

Comecemos pelas toxicofilias.
Houve um tempo em que o vício do toxicômano cedia frente à interpretação de seus motivos, dos porquês. Hoje, não é raro nos depararmos com viciados que têm todo um rosário de explicações sobre seus hábitos tóxicos, tendo também vontade sincera de se desembaraçar e, no entanto, continuam no sofrimento. Como nesse gozo a palavra está curto-circuitada, o diálogo interpretativo habitual é ineficaz.

Fracasso escolar.
O adolescente de 98/99 é diferente do adolescente de 68/69. Há trinta anos o mais comum eram os alunos rebeldes, contestadores das matérias, dos professores, do governo, dos métodos hierárquicos, etc. Berravam palavras de ordem: “É proibido proibir”, “Paz e amor”, “O povo unido jamais...”... Agora, nenhuma rebeldia, nenhuma contestação. Dia da prova, o aluno entrega o papel em branco. O professor alerta-o das conseqüências: a nota baixa, a recuperação, a repetência. Nada o comove, nenhuma seqüela futura o sensibiliza. O professor se desespera, fica aparvalhado, convoca uma junta de especialistas: o psico-pedagogo, a técnica em psico-motricidade, a fonoaudióloga, o psiquiatra, a psicóloga, o neurologista, o oftalmologista (vai ver que não enxerga), o otorrino (vai ver que não escuta) e nada. O fracasso escolar resiste a todos os saberes.

Delinqüência juvenil.
O mundo está chocado com os crimes isolados e eventuais. Ninguém diria que aquele “menino de família”, como se diz, bem educado, bonzinho, cordial, freqüentador das reuniões familiares, dos clubes e das rodas de amigos - todos gente boa - possa um dia, como em puro acaso, incendiar uma pessoa dormindo, matar sua mãe, seu pai, ou ambos, metralhar metade da sua escola, jogar uma pedra do viaduto sobre o carro que passa e demais barbaridades. Antes e depois, um bom menino. Por um instante, um assassino.

Doenças psicossomáticas.
Essa expressão ficou consagrada, a partir de Freud, para nomear as afecções orgânicas que respondiam a um incremento libidinal sobre um órgão, causando uma disfunção: estressado seria mais passível a ter enfarte ou úlcera; tímido, espinhas na cara ou gagueira; culpado, teria de gripe até câncer, etc. Crescem, na atualidade, exemplos de moléstias, verdadeiros anacolutos da gramática corporal, aberrações psíquicas e somáticas, quase sempre graves e de difícil manejo terapêutico.
Cabe-nos perguntar: o que está acontecendo? Pode ser que estejamos sendo vítimas por termos alterado nosso ecossistema sem medir os efeitos. Quando desmatamos uma região importante no meio de uma floresta sabemos da balbúrdia que ocasionamos: algumas espécies morrem, outras explodem demograficamente, mutações surgem, alteram-se os hábitos.

Pois bem, a globalização foi uma imensa mudança do ecossistema humano: mudou a noção de pátria, de família, de poder paterno, da presença da mulher, etc. Entramos definitivamente na era em que o Outro não existe. Se recuperarmos a divisão freudiana entre identificações verticais, aquelas com o líder ou com um ideal, e identificações horizontais, aquelas entre os iguais, notaremos que o lugar dos líderes e dos ideais, da identificação vertical, foi fortemente abalado pelo prazer do provisório e da conveniência imediata. Quer-se o gozo já, em tempo real. Gozo Internet.
Não há como voltar atrás. Não adianta, depois de décadas de conquistas femininas, achar que o pai ainda pode ser chamado para pôr ordem na casa como nos tempos em que sua figura era, quase ameaçadora, da lei e do poder: pai braço armado da mãe. Tarde demais. Fizeram os omeletes, quebraram os ovos – do pai.
Será que tudo então está perdido? Desespero total? Ainda não. Miremo-nos nos exemplos dos próprios adolescentes, os que mais sofrem os curtos-circuitos do gozo, as soluções que eles encontram para, de certa forma, ordenar este gozo caótico. O nome é: “esportes radicais”. Nunca se viu tanto esporte radical: alpinismo, bungee-jump, canoagem, pára-quedismo, triatlon, e por aí vai. Todos eles no limite do dizível, tentativas de captura direta do gozo.
Se esse gozo desbussolado, desbundado, escapa ao circuito da palavra dialogada, decifrada, ele pode ser captado pela palavra–ato, aquela que marca, que nomeia: a palavra poética, por exemplo, que, como os esportes radicais, não explica mas capta algo do ser. Conquista e ordena o excesso de gozo irrefreado.
É uma lição para a psicanálise, daí ter Lacan proposto – assim deduzimos – duas clínicas: uma primeira, a da palavra decifrada, que levantando o recalque, alivia o sintoma e uma segunda, a clínica do gozo, onde a palavra serve para cifrar, tal qual o “piolet” do alpinista que marca a dura pedra do gozo a ser conquistado. Se nem mesmo o Himalaia resistiu às marcas que lhe fizeram acessível, ficamos com a esperança que uma nova clínica psicanalítica – que já está em prática – possa melhorar os resultados do tratamento desses sintomas da nossa época em que o Outro não existe. Não analisamos mais como Freud analisava mas continuamos seu trabalho em tornar o homem mais compatível e responsável com o seu gozo.


http://www.jorgeforbes.com.br/index.php?id=141

domingo, 21 de setembro de 2014

Desenvolvimento Emocional da Criança

As fases do desenvolvimento do bebê que ocorrem desde a vida intrauterina, ou ainda antes, desde o momento que se deseja (ou não) ter o filho até mais ou menos 06 anos de idade são definitivamente marcantes para o desenvolvimento da personalidade do bebê, futuro adulto.
Ainda antes do útero, enquanto desejo ou não dos pais de ter esse filho. No útero, onde já sente as emoções vividas pela mãe e que terão interferências em seu desenvolvimento emocional, mas ainda assim um lugar de proteção e segurança. Em que não é preciso fazer nenhum esforço, suas necessidades são inteira e prontamente atendidas. Não há frio, não há fome, não há sede, e não há as invasões do mundo exterior.
Com o trabalho de parto, as contrações, a expulsão do bebê do útero, seu mundo protegido, o bebê vivencia sua primeira rejeição. Sofre seu primeiro trauma, o de deixar o confortável e seguro ambiente uterino para dar início a uma intensa luta pela vida. Precisa respirar por si mesmo, o que é intensamente doloroso no início (inflar os pulmões), enfrentar o frio, o tato das mãos dos adultos que são sentidas como ferindo sua pele delicada e sensível, que até então só tinha sido tocada pela água (liquido amniótico), a luz lhe é de uma agressividade assustadora, até então protegido no escurinho do útero, os sons lhe são aterrorizantes!
Com tudo isto, o que mais amedronta o bebê é a sensação de estar solto, sem contorno, portanto, sem proteção, numa constante possibilidade de queda. O bebê vivencia sua primeira sensação de desamparo. Assim o bebê chega ao mundo e começa a vivenciar as fases do desenvolvimento que formará sua personalidade.
A primeira delas é a chamada Fase Oral que vai de 0 anos a mais ou menos 2 anos. Nesta fase a necessidade e gratificação estão concentradas na boca, em volta dos lábios, na língua e nos dentes. A boca é a primeira parte do corpo que o bebê pode controlar. Enquanto é alimentado é também confortado, aninhado, acalentado e acariciado (pelo menos é o que se espera). E é assim que o bebê vai aprendendo a associar a redução da tensão causada pela dor da fome com o prazer do calor do corpo da mãe, seu olhar, seu cheiro, os batimentos cardíacos, o som de sua voz, sensações prazerosas que trazem lembranças do útero e reconfortam. O bebê sente-se gratificado.
A mãe é a primeira e a mais importante pessoa na vida do bebê, o bebê sem mãe (considerando mãe aqui a pessoa que faz o papel, que cuida e aconchega, acolhe, acaricia) não existe, sem cuidados ele morre. E se a mãe não estiver inteira, se não for capaz de dar ao bebê o acolhimento e sustentação que ele precisa, ele certamente terá muitos problemas no decorrer de seu desenvolvimento, podendo se tornar um adulto bastante doente psiquicamente.
O bebê nesta fase da vida ainda não se reconhece, mãe-bebê são um, e é através do olhar da mãe que ele se vê, sendo o olhar da mãe como um espelho para o bebê. Ele aprende que ele existe, o que ele é e como ele é através do olhar, da fala, do toque, do reconhecimento da mãe. Daí a importância da mãe ter tempo interno, ter disponibilidade interna, desejo, prazer em estar com seu filho, em especial nos primeiros meses de vida. Lembrando que não é a quantidade, mas a qualidade do tempo que importa.