Primo de Freud, o criador da psicanálise, diz: "cada vez se usa
mais
medicamentos e menos pensamento"
Como psicanalista voltado a crianças, na Espanha, ele faz ressalvas à
indústria de remédios
Eugenio Goussinsky,
do R7Joseph
Freud é neto de um
primo direto de Sigmund Freud. Acervo pessoal.
O telefone toca e do outro lado da linha uma voz suave atende. Ela
combina com o olhar pacífico e o sorriso conciliador da fotografia, que dão uma
feição até juvenil aos cabelos totalmente brancos.
Aquele que ligou faz uma pergunta tão inusitada que chega a estranhar
suas palavras. Nem nos sonhos em que entrevista as maiores celebridades
imaginaria esta introdução. Não era como se estivesse falando com Michelle
Bachelet, com Paulo Coelho ou tampouco com Barack Obama. Era algo além. Por
instantes, era como se estivesse conversando com o passado.
— É o dr. Freud que fala?
— Sim, no que posso ajudá-lo?
Este diálogo não ocorreu na florida Viena dos anos 10, 20 e 30. Nem era
o lendário compositor Mahler, naqueles fones antigos sobre castiçal, à procura
do famoso médico. A conversa foi no último dia 11 de junho e o Freud
entrevistado, também psicanalista, era o neto do primo do Pai da Psicanálise,
Sigmund Schlomo Freud (1856-1939).
Quanta família, não? Mas, segundo o próprio analista, concordando com
seu primo de terceiro grau, as dores e as belezas de ser humano começam mesmo
nas relações familiares. Ou na falta delas.
Joseph Knobel Freud, americano radicado em Barcelona, Espanha, se tornou
um famoso psicanalista europeu, especializado no tratamento de crianças e,
entre outros títulos, é fundador da Escola de Clínica Psicanalítica com
Crianças e Adolescentes de Barcelona.
Inspirado no célebre parente da Áustria, percebeu cedo o fascínio do
inconsciente, uma espécie de escritor da história individual de cada um. Ele
considera a investigação dos seus enigmas a chave para a evolução humana,
criticando a pressão de laboratórios pela venda de medicamentos e a redução da
maioridade penal nos países, conforme conta em entrevista exclusiva. Ao R7, Freud explica.
R7: Qual a contribuição que Sigmund Freud trouxe
para a humanidade?
Joseph Freud: Ele foi muito importante para a
sua época (fim do século 19 e início do 20), e continua sendo, pois, com a
descoberta do inconsciente, mostrou que nenhum homem é dono de seus próprios
atos. Há um outro que nos governa, a todos, que é o inconsciente. Trata-se de
uma revelação fantástica.
R7: Como Freud influenciou na sua escolha profissional?
Freud: Nasci nos Estados Unidos e me
mudei para a Espanha. Desde cedo me encantei por esta ideia do inconsciente.
Influenciou-me a noção de que para eu ser um bom profissional teria de entender
o inconsciente dos pacientes. Isso é descobrir, junto com eles, que há um
funcionamento incrível da mente, é viajar pelo interior do ser humano e
aprender coisas interessantíssimas. É algo que sempre me fascinou.
R7: Qual o seu parentesco com Sigmund Freud?
Freud: Meu avô, Samuel Freud, era primo
direto de Sigmund. Meu avô saiu da Europa antes das guerras, em 1914, e foi
para a Argentina. Por isso sobreviveu aos conflitos, algo que não aconteceu com
boa parte da família de Sigmund, que era judia. Ele perdeu suas irmãs, enviadas
a campos de concentração, na Segunda Guerra.
R7: A contribuição de Freud está sendo bem
aproveitada neste momento?
Freud: Estamos em um momento complicado
em uma sociedade imediatista, num mundo baseado na velocidade dos
acontecimentos. Na época de Freud havia tempo para se escrever cartas, esperar
entregas. Não havia whatsApp, tablet, smartphone, internet por fibra ótica. Era
outra a relação com o tempo. Não que não houvesse problemas. Mas as soluções
não precisavam ser tão imediatas. Nem as respostas. Hoje, chegam pacientes para
serem atendidos e logo querem ver seus casos resolvidos. É preciso ter mais
paciência.
R7: E como a psicanálise poderia atuar para não ser
engolida por essa pressa moderna?
Freud: Nós psicanalistas (e
profissionais da área) temos de chegar aos centros hospitalares e transmitir
essa ideia aos pacientes, mostrar que esse tipo de trabalho é um método
eficiente. É preciso que as pessoas entendam que há outra maneira de se
resolver problemas que não passa pela pressa imediata. Temos de voltar um pouco
no tempo, neste sentido. Esta rapidez não vai levar a lugar nenhum.
R7: Podemos dizer que atualmente vivemos uma
epidemia de transtornos mentais no mundo?
Freud: Prefiro não usar este termo
epidemia, porque se associa ao interesse de laboratórios. Nesse caso, a
epidemia está cada vez mais com os laboratórios. Mas de uma maneira geral
vivemos uma época de competitividade ao extremo. Carros velocíssimos pelas
estradas, o desejo de ter muitos carros. Exageradas viagens de helicóptero. As
crianças querem tomar o sorvete maior, as pessoas querem ter os
eletrodomésticos com maior capacidade, os computadores evoluem em dias. As
coisas caducam rápido, nem dá para aproveitar direito.
R7: O que o senhor acha do aumento da quantidade de
doenças mentais classificadas pelos laboratórios?
Freud: A indústria farmacêutica é a
segunda mais potente do mundo, depois da de armas. Vai investir para que a
gente necessite cada vez mais de medicamentos. Surgem nomenclaturas para isso.
O TDA (Transtorno do Déficit de Atenção), por exemplo, é uma definição
desnecessária, de casos que, na maioria das vezes, podem ser tratados com
conversa e compreensão das questões relativas à infância.
R7: Até que ponto o medicamento é importante em um
tratamento?
Freud: Dar o medicamento é bom para o
laboratório, mas não permite entender o porquê de a criança estar querendo
chamar a atenção. Isso inverte a lógica do bom tratamento. Cada vez se usa mais
medicamentos e menos pensamento. A psicanálise é o contrário disso. A conversa
e a compreensão são essenciais para um processo de cura. Não acho que o remédio
seja descartável sempre: há casos em que é preciso receitar antidepressivos ou
antipsicóticos, por exemplo. Mas sempre com critério e com acompanhamento
psicoterapêutico.
R7: O que o senhor acha da redução da maioridade
penal, assunto que tem sido debatido pelo Congresso Nacional brasileiro?
Freud: Creio que é responsabilidade da
sociedade o fato de uma criança cometer crime. Se ela se tornou criminosa e
entrou para a delinquência é porque algo da educação que ela teve a tornou
assim. Pessoas não são plantas, que têm reações similares. Há fatores que
influenciam no sentimento, há a participação da família nisso. Uma criança
passa a agir assim porque não pode estar com seus pais, porque eles eram mal
pagos, não lhes davam atenção, entraram para o álcool, agiram com violência
contra ela. Não se pode colocar a culpa nela em lugar de responsabilizar a
família e a sociedade que não se ocupa devidamente com as crianças.