INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

sábado, 5 de outubro de 2013

O paciente idoso e a clínica

Conteúdo da Apostila - Tópicos Especiais II - Parte III - 

Curso de Capacitação em Psicanálise- SPOB-POLO/RS

             Psicanalisar é uma tarefa árdua e muitas vezes impossível em qualquer idade do paciente. O que se tem observado é que a psicanálise permanece e o empenho dos psicanalistas tem sido válido na maioria dos casos, portanto a velhice também poderá fazer parte desta tarefa árdua. As pessoas de mais idade, ou os idosos podem ser curiosos, talentosos, criativos e motivados para um tratamento como outras em qualquer idade, apresentando resistências à transferência como outros, mas também podem manifestar um constante desejo de se proteger das perdas e uma necessidade constante de e continua de reparar e restituir. Para os pacientes idosos o tratamento se constitui uma segunda chance, de mudanças, como para o terapeuta é uma chance de analisar aspectos do seu self que não puderam ser adequadamente elaborados, estando ele em uma fase da vida mais próxima á do paciente.
            Muitos idosos vivenciarão sua velhice sem grandes obstáculos, preservando suas capacidades internas, Segundo Eizirik (1998), na medida em que eles reconheçam o que há de bom dentro de si, e que possam avaliar suas limitações de forma realística, mantendo a capacidade de amar e ser amado. Este tipo de paciente pode se envolver mais com suas questões pelo sentimento de que possa ser esta a ultima chance, ou “não há mais tempo a perder” pode fazer surgir no terapeuta o sentimento de que seu paciente está mais envolvido no trabalho e poder desfrutar dessa proximidade que ele oferece.
        Mesmo com idade avançada o idoso é capaz de assimilar novas representações de objeto em sua estrutura psíquica, através da análise das ansiedades infantis e da diminuição do poder arcaico das imagos parentais. O desenvolvimento de novas sublimações e as modificações do ego ideal e da auto-imagem pode facilitar o crescimento do ego. O idoso pode experimentar um novo sentido da própria identidade e de seu valor. O tratamento vai tendo resultados, considerando a entrada em contato com a origem interna do alívio e do bem-estar, o tornam mais seguro sem a constante necessidade de garantia do outro, e não se sentir invadido pelo medo da solidão ou aumento de uma incapacidade, podendo gerir sua vida de forma mais segura.          
            A transferência do paciente idoso como a de qualquer outro tipo de paciente, ignora as diferenças de idade cronológica do par analítico. As necessidades de amor, aceitação, compreensão e proximidade persistem por toda a existência, mas no paciente idoso as resistências como a defesas costumam ser mais intensas e causam um impacto maior no terapeuta, podendo reativar as relações parentais deste.  Sob estas circunstancias, com estes pacientes, a neutralidade pode ficar mais difícil de ser mantida e ser motivo de desafio e entusiasmo, como também, dar origem a pensamentos de “término”. Pode ocorre uma quantidade de catexia residual que ocupa maior espaço e emoção do que ocorre com pacientes mais jovens, devido à possibilidade maior de encontrar novos objetos.
            O idoso mantém a característica do seu caráter por isso sua transferência não é muito diferente do que se procurassem o tratamento em tempos anteriores, pois os rígidos, inflexíveis e obsessivos na juventude, provavelmente continuarão assim na velhice, como também aqueles que foram sexualmente ativos na juventude continuarão assim na velhice, segundo Cath e Miller (in: Chachamoviich, 2000). O “espelho” da transferência- contratransferência permite ao paciente idoso reencontrar as partes perdidas do seu self, onde o que é admirado e invejado no terapeuta pode ser apenas o “reflexo de sua imagem perdida” vista no espelho, como também, poderá ver no analista, aspectos relacionados ao envelhecimento e à proximidade da morte que são negados, cindidos e projetados. O papel do analista é perceber quem o paciente idoso deseja que esse espelho reflita, a fim de ser capaz de revelar ao mesmo e promover o encontro da sua imagem interior com a sua imagem exterior.
           O analista do paciente idoso pode se perceber colocado face a face com desafios de sua independência, ficando vulnerável ao ultraje ou insulto narcísico quando o paciente (velho) à sua frente evoca preocupações com o processo de envelhecimento, em especial se o terapeuta for velho ou mais do que o seu paciente. Os momentos de doença física, e são mais freqüentes no paciente idoso, às vezes este precisa mais do que a terapia, um cuidado ou olhar a mais o que leva o terapeuta se gratificar em poder ajudar o doente (físico), mas isso poderá dificultar o retorno á neutralidade numa doença ameaçadora. A contratransferência será dificultada e pode ocorre um “cosificar” esse paciente devido á fragilidade que aparenta, levando o terapeuta a tratá-lo como propriedade sua e que precisam cuidar, como também, se deixarem seduzir pela gratificação recíproca de ser cuidador nos momentos de crise.
          Um dos aspectos ligados á realidade externa do paciente idoso, é o impacto do isolamento e da segregação social com a perda de papeis na família, no trabalho e na comunidade. O impacto destas perdas torna-se central no trabalho terapêutico, segundo King (1980), tanto se estiverem relacionadas ao declínio do funcionamento físico ou mental, como se relacionados à perda de objetos significativos. Segundo os estudiosos da velhice, as perdas são identificadas como os principais estressores nesta fase da vida e a possibilidade de sua reparação é uma das principais tarefas evolutivas nessa etapa, o que pode dificultar o trabalho pelo efeito cumulativo das perdas que vão ocorrendo na Cida e estarem centradas no próprio individuo.
                No trabalho terapêutico com o idoso às vezes é preciso preservar as ilusões para que possa lidar com o próprio envelhecimento e com a morte, pois é  importante lembrar que enquanto houver esperança haverá vida. Na contratransferência o analista pode o seu paciente como um de seus genitores enfraquecido o que pode despertar o desejo de entrar como o “salvador” do paciente, se colocando como supervisor extrapsicoterápico do paciente.
             Na pessoa de idade é mais rara a neurose de ansiedade, o que se torna mais comum é a ansiedade concernente ao medo da morte, como também, a ansiedade no paciente idoso está fortemente relacionada á realidade, o passado existe como o substrato de sua identidade, o tempo provoca a erosão nas recordações, mas enriquece o sentido e a continuidade desse passado, a esperança predomina sobre o medo, a esperança predomina sobre o medo, tornando o processo de envelhecimento é mais rido de significado.     
             Uma das ansiedades do idoso está relacionada à perda de potencia sexual e o impacto que esta possa causar nos relacionamentos. Um paciente de 78 anos chega à clínica com a seguinte queixa: “Estou entristecido, doutor. Não consigo mais ter relações sexuais com minha mulher duas vezes por semana. Imagino que ela está me achando velho e impotente”. Essa queixa evidencia não só a continuidade da atividade sexual nesta fase da vida, como o impacto do esfriamento da potencia sexual. Surgem também os temores em relação às alterações corporais decorrentes do envelhecimento e que podem interferir no intercurso sexual, bem como as doenças físicas causadoras de limitações de várias ordens. Somado a isso a idéia cultural da velhice assexuada, segundo Eizirik e colaboradores (2001), e em decorrência a baixa da auto-estima decorrente das modificações corporais que afastam do ideal de beleza da juventude tão valorizada na sociedade atual.
              No contexto social, influenciado pelo arquétipo do velho um ser assexuado, o idoso pode ser visto inconscientemente, com o objetivo de evitar o confronto com os próprios conflitos concernentes às figuras parentais, representadas no idoso. A contratransferência do analista o que pode surgir é esse olhar do “velho um ser não-sexual” com a expectativa não-realística de que o idoso viva além do pecado e do sexo como os anjos. Essa visão e esse sentimento do terapeuta no campo, pode representar uma extensão da visão de sobre seus próprios pais como pessoas não interessadas em relações sexuais.
          O mito do velho assexuado tem sua gênese na negação da sexualidade dos genitores, quando nas crianças, que emergem da latência, já cansadas pelas buscas e construções de suas teorias sobre as origens da vida, e estão lidando com a revivência do interesse sexual, contudo pode acontecer que com esse tipo de pacientes antigos conflitos edípicos do terapeuta sejam renovados e que o exame aberto da sexualidade do paciente venha provocar ansiedade.  Assim quando o paciente velho é visto como um ser “não-sexual” o analista se defronta com as mesmas demandas para examinar a contratransferência. Muitas vezes as questões de saúde e viabilidade dos parceiros provocam o declínio sexual do que propriamente a idade.
              Nas configurações transferenciais possíveis na psicoterapia com o paciente idoso ou mais velho, é comum que ele veja o terapeuta, se mais jovem como seu filho, e isso possa causar um constrangimento que impeça a contratransferência e o terapeuta se sinta limitado em sua compreensão e no uso de suas interpretações. É preciso compreender a qualidade da transferência que está causando a inibição, considerando que mesmo os filhos são alvo de múltiplas projeções por parte dos pais. Assim pode ser entendido que se o paciente velho vê seu terapeuta como filho, este deve identificar que filho é esse, se idealizado, ausente, desvalorizado, dependente ou se provedor. Na verdade o terapeuta mais jovem que o paciente, não terá vivenciado muitas situações relativas ao processo de envelhecimento, experiência marcada e complexa quanto mais avançar. O importante nesse tipo de relação é a empatia, entendida como uma combinação de identificação, imaginação e intuição.             




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