INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quinta-feira, 20 de março de 2014

CURSO LIVRE DE CAPACITAÇÃO EM PSICANÁLISE

TURMA PORTO ALEGRE IX


A SPOB-RS está com as inscrições abertas para o Grupo IX de formação de psicanalistas proporcionando um desconto de 10% nas cinco primeiras mensalidades com inscrições antecipadas.
Psicanálise aplica-se a todas as áreas da Vida Humana. Pode ser utilizada para todas as vertentes da Ciência Humana - através do conhecimento das causas que angustiam e origem dos comportamentos e inquietações. É a ciência e arte de entender a si e o outro, buscando proporcionar o equilíbrio mental para melhor desempenho das atividades pessoais e profissionais.
O Curso se baseia nos ensinamentos de Sigmund Freud e apreciação das vertentes:
Melaine Klein, Jacques Lacan, Donald W. Winnicott, Wilfred Ruprecht Bion e os outros psicanalistas contemporâneos.
A todos os profissionais com curso superior  ou em fase de conclusão, em qualquer área do conhecimento.
·         28 módulos presenciais uma vez ao mês num final de semana.
·         Resenhas mensais e monografia de formação.
·         2.128 horas total.      
·         Apostilas atualizadas com visão da psicanálise contemporânea.
·         Corpo docente de vários estados do país.
·         Certificado pela SPOB – Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil – a maior sociedade de psicanalistas da América Latina.
Local: Profº Annes Dias, 166, 9ºandar, sala de reuniões
Início: previsto para 25 e 26 Abril de 2014. Porto Alegre – RS –
 Coordenador; Castilho Sanhudo.
End. Rua Profº Annes dias,166/103 
- fones (51) 84497408 / 3024 7559

e-mail- castilhoss28@hotmail.com  

segunda-feira, 17 de março de 2014

Emoções Assassinas



Emoções no Divã; de Eduardo Mascarenhas
o ciúme enlouquecido não é atenuante para um crime — não há ninguém que poderia dizer que jamais cometeria um crime pas­sional — a responsabilidade do crime pas­sional não é de quem abandona ou procura um novo amor
Existe sentimento mais explosivo do que o ciúme? Quem já o sentiu — e todo mundo já o sentiu, mesmo que nem se lembre — sabe que a resposta é não. Claro que não estou me referindo ao ciuminho. Estou, isso sim, me refe­rindo ao ciúme barra pesada, aquele que parece que a gente engoliu urânio enriquecido e está com trinitroglicerina nas veias. Nesse estado, nosso pavio fica curto e a qualquer atrito pode haver uma explosão de fúria, ódio e rancor. À menor provocação, a gente vira uma espécie de Incrível Hulk: verde de ódio, babando mágoa e soltando fogo por
todas as ventas. Não é à toa que a crônica policial de todas as épocas está cheia do sangue derramado pelo que se conven­cionou chamar de crime passional.
No Brasil, esses crimes passionais ocorrem regular­mente em todas as classes sociais. Não é crime de pobre, nem de rico. Dá em todo tipo de gente. Recentemente, um médico assassinou a tiros sua esposa universitária. Menos recentemente, Doca Street e Lindomar Castilho também dispararam suas armas naquelas que um dia foram seus amores. Isso só para citar os mais famosos.
Também não é verdade que crime passional seja apenas expressão do machismo, se bem que o machismo seja um de seus fatores. Se um dia o machismo deixar de existir, não tenho dúvida de que diminuirão os crimes passionais. Mas eles jamais deixarão de existir. Sabem por quê? Porque o ciúme é eterno, sempre existiu e existirá para sempre. Esta­rei eu, então, ao reconhecer a força vulcânica do ciúme, absolvendo ou atenuando os crimes passionais? De modo nenhum. Exatamente por reconhecer a tentação do matar por ciúmes, acho que a punição dos crimes passionais deve ser exemplar. Se não for, vai sair gente matando gente sem parar por aí.
A severidade penal e moral sobre um crime deve ser tanto maior quanto maior for a tentação de praticá-lo. Não se trata, pois, de fazer filosofia. Trata-se de conter a tentação ao crime. Por isso, justamente os crimes “mais compreensí­veis”, “mais humanos”, aqueles que a gente se sente mais perto de cometê-los, são os que devem merecer a maior vigilância social. Até para nos proteger de nós mesmos, além de nos proteger dos outros. Portanto, ao reconhecer o poder quase enlouquecedor do ciúme, estou mais do que nunca defendendo a sua mais severa repressão, a sua mais exem­plar punição. Ao admitir que quem ama mata, mais do que nunca esbravejarei que quem ama não mata.
Como jurado, não consideraria atenuante de um crime de morte ter sido ele motivado por um ciúme enlouquecido.
Tanto é verdade que a repressão contém a fúria crimi­nosa, que as mulheres, cuja agressividade é mais reprimida que a dos homens, são menos dadas aos crimes passionais. Não é que a violência feminina seja menor que a masculina; ela é apenas mais reprimida.
Não se trata de reprimir os ciúmes, pois isso equivaleria a uma lobotomia na nossa natureza. Deixaríamos de ser gente de carne e osso, com sangue nas veias, e nos converte­ríamos em quase vegetais. Nada mais humano do que o ciúme. Agora, reprimir sua face assassina é uma obrigação jurídica, moral e educacional.
O ciúme vem do instinto. É o instinto de lutar por aquele que se ama, não perdê-lo. No entanto, é preciso fazer uma clara diferença entre o Dragão da Maldade e o Santo Guer­reiro. Como começar a perceber que estamos ingressando no perigoso terreno do crime passional? Como saber que já estamos expostos a perigosas tentações e o que fazer ou para não chegarmos aí ou para não irmos adiante? Ao longo deste capítulo procuraremos responder essas perguntas.
Os crimes passionais encharcam de sangue as páginas policiais. O vinho daquilo que um dia foi amor transformou- se no vinagre do ódio assassino. O motivo invariável: ciú­mes. O problema mais trágico desses crimes é que, muitas vezes, não são praticados por delinquentes frios e degenera­dos. Não; são praticados por gente igual a gente. Num certo sentido, ninguém pode jurar que não seria, em condições extremas, capaz de praticar um crime passional. Essa afir­mação, contudo, jamais deve ser entendida como incentivadora de benevolência para os crimes praticados por aqueles que estão enlouquecidos pelos ciúmes. Como já dissemos, justamente por ser uma tentação poderosa em todo aquele que se sente traído e abandonado, o crime passional deve ser punido exemplarmente, no mais pleno rigor da lei, sem contemporizações ou atenuantes.
Nenhum delito exerce tamanha tentação quanto o crime passional. E o estranho é que os crimes passionais ocorrem, exatamente, nos relacionamentos que não estavam muito bons. Melhor dizendo, estavam péssimos, com um desinte­resse e um ódio crescentes no casal. É óbvio, jamais pessoas vivendo um sonho de amor iriam “trair” ou serem “traí­das”, abandonar ou serem abandonadas. Ninguém vivendo um lindo amor iria buscar um novo amor.
Saber como alguém pode começar a pressentir que es­teja entrando no perigoso terreno das tentações aos crimes passionais é extremamente importante, pois afinal é sempre melhor prevenir do que remediar, principalmente aquilo que não terá mais remédio. Para se prevenir do ciúme enlouque- cedor, a primeira coisa a fazer é não evitar a verdade pro­gressiva dos fatos, não fazer vista grossa para as evidências, não tentar tapar o sol com a peneira. Quem está de olho aberto, disposto a ver as coisas como elas são, jamais poderá ser pego no contrapé, desprevenido, sem força para reagir. Não se trata de ficar paranóico, enxergando fantasmas. Trata-se apenas de estar aberto para o real, seja ele qual for. O otimismo cego de hoje pode ser o desespero assassino de amanhã.
Digo isso porque quem está atento, mas atento de ver­dade, com as antenas que Deus nos deu, percebe desde os primeiros indícios a desagregação do relacionamento. Não poderá, pois, vir ase sentir traído e nem ser, de um dia para o outro, abandonado. Insisto nisso, porque nada enlouquece mais o ciúme do que ser pego desprevenido. A mente humana precisa, acima de tudo, de tempo para digerir as coisas. Se tiver tempo pode digerir um boi. Basta ir aos poucos,comendo-o em pedacinhos. Agora, se tiver que digerir um boi de uma vez só, explodirá de desespero.
Tanto isso é verdade que, invariavelmente, quando um casal se separa, há turbulência, no mínimo, de uma das partes. Entretanto, com o tempo, a turbulência passa e se restabelece uma razoável normalidade. O tempo cura tudo. Essa verdade invariável nos leva a concluir que, caso aquele crime passional não tivesse sido levado a cabo, no fim de algum tempo jamais seria praticado. O sangue já não estaria fervendo nas veias, o peito já não estaria arrombado de carência e de saudade, a cabeça não estaria enlouquecida de ciúmes.
A enorme vantagem de estar de olho vivo num relacio­namento de amor é que, ao perceber seu progressivo desmo­ronamento, ambas as partes vão se preparando interna e externamente para o pior. Cada qual vai podendo, aos pou­cos, chorar seu luto pelos sonhos que se foram, ir se desin­vestindo daquele amor e se preparando para o que der e vier. Ser pego de surpresa é uma barra. Agora, não me venham com desculpas: ninguém, disposto a enxergar a realidade, seja ela qual for, será jamais pego de surpresa. A sensação de traição e abandono só aparece nos espíritos desavisados.
Essa história de ter sido traído ou abandonado é papo- furado. Ninguém, no exercício pleno de sua sensibilidade, pode ser traído ou abandonado de uma forma completa­mente trágica e inesperada. Só é traído óu abandonado aquele que, por omissão, covardia, displicência, se deixar ser traído e abandonado. Só são pegos no contrapé aqueles que, ao invés de enxergar as coisas como elas são, preferi­ram enxergá-las do jeito que preferiam que elas fossem. Só quem vive no mundo dos sonhos, do otimismo cego, pode ser surpreendido de uma forma trágica e incontrolável. Quem tem os pés no chão jamais perde a cabeça ...
Portanto, a responsabilidade do crime passional não é de quem abandona ou procura um novo amor. É, sim, de quem praticou. Foi pego de surpresa porque se recusou a enxergar a evidência dos fatos, quer por vaidade ferida, quer por falta de garra de ir à luta. Não me venham, pois, com essa história de que a vítima real foi quem matou e a culpa de quem morreu. Não, a vítima foi quem morreu e a culpa é de quem matou.
Como acompanhar o caminho seguido por uma mente até chegar à fúria assassina? Em primeiro lugar, você está se dando mais do que recebendo de volta? Está se entregando mais do que a outra pessoa a você? Cuidado, porque a generosidade de hoje pode ser o rancor de amanhã.
Além do mais, se você não for um fino estrategista, com um refinado instinto de se dar bem, sua entrega demasiada, seu amor sem contrapartida, ao invés de emocionar o outro pode é lhe gerar um progressivo menosprezo, até a mais fria indiferença. Descabelar-se por alguém que não se descabela por nós é um gesto arriscado. Na maior parte das vezes gerará mais descabelamento em quem já está se descabe­lando e menos em quem já não o está. Ao invés de comover, gera um sentimento tipo “o que vem de baixo não me emo­ciona”. No lugar de inspirar ternura, sensualidade e paixão, inspirará desprezo, antipatia e implicância. O carinho será sentido com repulsa; o olhar enamorado, com desdém.
Se você estiver sentindo que está perdendo o pulso da relação, que quer estar mais junto do que a outra pessoa, que seu relacionamento está virando uma gangorra (quanto mais você se rebaixa, mais o outro fica por cima), é melhor come­çar a se prevenir para não ser pego de surpresa.
Você só enxerga a pessoa com a qual está se relacio­nando, enquanto ela é peito aberto para o mundo? Cuidado. Quando um relacionamento está equilibrado as coisas não são assim.
Você está se sentindo incapaz de conquistar outras pessoas ou achando a pessoa com a qual você convive areia demais pro seu caminhão? Previna-se, pois muito crime passional foi praticado por essa razão. É aquele homem mais velho que teme não conseguir outra mulher tão jovem e graciosa quanto a sua, é aquela mulher que teme algo equi­valente.
O outro está crescendo mais do que você, você está ficando para trás e, por mais que haja advertências, você permanece sem pique? Isso pode ser na área sexual, na beleza das emoções, na capacidade de jogar os infinitos jogos que o amor propõe, na disposição a se renovar, a abandonar rígidos valores. Afora a área profissional, é claro.
A pessoa com quem você convive está mais preparada para o que der e vier do que você? Você acha que ela sentirá, no caso de uma separação, menos dor? Atenção a esse detalhe, pois nada nos deixa mais infelizes do que perceber­mos a felicidade nos olhos daquela pessoa que não vive mais conosco. Isso poderá mais adiante deixar qualquer um en­louquecido de saudade e de ciúmes.
Quem mata, mata porque admite viver sem aquele que um dia foi o seu amor. Mas não com ele vivo, feliz nos braços de um outro alguém. Nada incendeia mais a infelicidade em fúria do que a felicidade daquele que nos deixou. Prefere-se ele morto do que cheio de vida, amando e fazendo amor com seu novo amor. Há no desespero que mata não só amor ferido. Há também vaidade ferida, orgulho ferido, narci­sismo ferido, auto-estima ferida.
Como ninguém sabe o que pode sentir em determinadas rupturas bruscas de relação, é melhor prevenir do que reme­diar. Muita gente mata, não porque ame tanto assim; mata é porque não agüenta a sensação de derrota no jogo do amor, ou melhor, na queda-de-braço do amor. Para não ver o outro ganhar, prefere matar.
O melhor é não negar os fatos. Na queda-de-braço do amor a pessoa com quem você convive está levando a me­lhor, está passando a sensação de que poderia viver sem você melhor do que você sem ela? Então, vá abrindo seus olhos para outras pessoas do mundo, porque nada alivia mais a perda de um amor do que o aparecimento de um novo amor. Ou, pelo menos, a possibilidade desse aparecimento. Pense no motivo por que essa pessoa o está deixando, por que ela já não gosta tanto quanto antes de você e por que você cada dia se liga mais a ela. Estará ela representando seus sonhos de conquista profissional? Se estiver, ao invés de ir vivendo através dela, se realizando através dela, co­mece imediatamente a ir à luta, a investir no lugar certo. E o lugar certo não é no amor a essa pessoa, é no campo profis­sional mesmo. Estará essa pessoa passando à sua frente no pique sexual, afetivo e na capacidade de viver só? Ao invés de aumentar sua paixão por ela, invista sua paixão no lugar certo: na sua sexualidade, no seu pique afetivo e na sua independência.
Se você já tentou tudo e não adiantou, se você já se sente ingressando na perigosa região das emoções assassinas, busque imediatamente auxílio médico. Eu sei que é difícil, que o orgulho não deixa, que a pessoa não sai da cabeça. Mas, se necessário for, tome tranqüilizantes e busque até uma internação. Trancafie-se em algum lugar de que você não possa sair movido por seus impulsos em fúria. Interdi­te-se, ponha-se em alguma espécie de prisão, para não ter de ir mais tarde para a prisão. Um psiquiatra pode fazer isso por você. Se não dá mais para se segurar pelas próprias forças, segure-se auxiliado por forças externas.
Digo isso porque se não existe bem que sempre dure, também não existe mal que nunca desapareça. E você verifi­cará que é perfeitamente possível viver longe daquela pes­soa. Provavelmente descobrirá até que pode viver melhor sem ela do que com ela. Afinal, o relacionamento já não estava tão bem assim. E é justamente o reconhecimento da falência do relacionamento que pode afastar das pessoas emoções que, desenfreadas, um dia podem se tornar verda­deiramente assassinas.