Os Sete Pecados Capitais
Parte
III
Preguiça
A
preguiça é considerada a mãe de todos os vícios. Ela se manifesta em todos os
níveis: preguiça de cabeça, do corpo, do coração. Preguiça de pensar, de fazer
e de sentir.
Para
o preguiçoso, tudo que dá trabalho, que exige esforço e representa garra, perde
a graça. Ele quer tudo na boquinha, tipo caminha feita e portas abertas. Caso
contrário, desiste, desencanta-se, desinteressa-se, mal tenha começado
qualquer coisa.
A
preguiça é uma importante causa do alcoolismo e das toxicomanias. Claro. Se
pode existir um produto químico capaz de gerar relaxamento, sonho e prazer,
para que lutar para produzir poesia, encantamento e deleite? O preguiçoso quer
sentir sensações? Então basta encharcar-se de álcool ou fumar maconha, cheirar
cocaína e injetar morfina e heroína
pelas
veias adentro. É bem mais fácil
do que fazer poesia, viver um amor, fazer amor, compor uma canção, encenar uma
peça de teatro, um filme ou uma novela de televisão. Se a pessoa deseja se
sentir inteligente e falante, para que puxar pela cabeça, se a química a faz
sentir (erroneamente) todas essas coisas?
Quando atinge a cabeça, a preguiça gera perigosas con-
seqüências. A
criança que deseja vida mansa, tipo come-e- dorme, não desenvolve direito seu
entendimento da realidade. Quando algo não sai como ele gosta, ao invés de
botar a cabeça para funcionar e tentar entender o que houve — o que ele fez e
os outros fizeram —, o preguiçoso prefere o caminho mais fácil de ficar zangado com as
pessoas e o mundo, assumindo uma preguiçosa posição de vítima. Passa a se
colocar como um paxá turco, um marajá indiano, achando que o mundo existe
apenas para servi-lo. Caso
as coisas não saiam tal como ele programa, e se não quiser mais se dar nem ao trabalho de ficar
zangado, pode cair num terreno mais perigoso
ainda: o do tanto fez como tanto faz, o do dar de ombros, do desinteresse pelas
coisas e pelas pessoas (e até por si mesmo).
Ora, com essas atitudes, já estamos diante da
possibilidade de sérias doenças mentais, inclusive das mais graves esquizofrenias. Não
pensando, a pessoa perde o sentido da realidade, fica retardada, imatura. Não
reagindo com empenho, ou se torna apenas rancorosa e acusadora, ou nem isso — torna-se simplesmente indiferente, o que
representa a deserção suprema da vida.
Existe outra grave alternativa para o espírito
dominado pelo demônio da
preguiça. Tudo bem: ele não desiste da vida, não cai na posição de marajá ou de
vítima do mundo cruel, não se degrada à condição de um mineral, mas se afasta
do mundo de outra maneira. Simplesmente muda de endereço. Não vive mais na realidade, mas na fantasia.
Essa é outra perigosa causa das esquizofrenias. Uma das origens de a pessoa
viver no mundo da lua ou perder o pé da realidade
e começar a alucinar e a delirar brabo. Simplesmente essa pessoa não aprendeu a
fazer diferença entre sonho e realidade. É uma espécie de alcoolismo sem
álcool, de toxicomania sem tóxicos.
Se
escapar das esquizofrenias,
o preguiçoso corre o risco de se tornar um
neurótico grave. No sexo, ao invés das relações afetivas, pode preferir as
profissionais. Ou nem isso: pode se contentar com a masturbação. Ou
nem a masturbação:
melhor não ter sexo nenhum. Essa é uma causa
da frigidez e da impotência.
No amor,
pode partir para o golpe do baú. Como sempre, quer tudo na boquinha. Ao invés
de se relacionar com pessoas do mesmo pique, e juntos construírem uma relação
fecunda, deseja o prato feito. Ou deseja um casamento com uma pessoa mais rica
de cabeça, de sexo, de emoção, ou até de conta bancária.
Acima de
tudo, não quer relacionamentos que lhe dêem trabalho. Qualquer dificuldade pode
esfriá-lo e fazê-lo perder o interesse.
Se é
mulher, ao invés de se tornar uma grande mulher em todos os sentidos, para
assim e só assim merecer um grande homem, prefere ficar sonhando com um
príncipe encantado que um dia chegará. Trata-se de uma bela adormecida, mais
para adormecida do que para bela.
Na
profissão, o preguiçoso é lerdo, campeão em deixar para amanhã o que pode fazer
hoje. Ao invés de realizar tarefas e resolver problemas, prefere arranjar
desculpas e explicações esfarrapadas. Ao invés de enfrentar a verdade, sempre é
mais cômodo inventar histórias... Assim no trabalho, assim no amor.
Todo ser humano é um bâmbi assustado.
Morre de medo de ser rejeitado, e por isso é tímido. O que faz o preguiçoso? Ao
invés de enfrentar 100, 200, 500 vezes o que o assusta, desiste na décima vez.
E, como é preguiçoso, ainda acha que fez muito. Essa é uma das origens da
timidez e das fobias. Acima de tudo, o preguiçoso é
alguém que rapidamente desiste. É fogo de palha, não leva nada a fundo. Tudo
para ele é pesado, doloroso e dá trabalho.
Claro que existe o lado bom da
preguiça. É ela que nos permite repousar, dormir com prazer, fazer samba e amor
até mais tarde e ter muito sono de
manhã. Sem ela, seríamos frenéticos, excitados e insuportáveis.
Parte IV
Ira
A ira é outra
importante causa de doenças mentais. Evidentemente, não se trata aqui da sadia
agressividade que surge quando estamos sendo realmente vítimas da agressão
alheia. É claro que cada situação exige um grau adequado de violência, que pode
ir do zero ao infinito. Ninguém no mundo é contra o natural instinto de
defesa. Sem ele já estaríamos todos mortos.
Contudo uma
agressividade excessiva, desproporcional à necessidade, ao invés de nos
aproximar da vida, nos aproxima da morte. Ao invés de proteger nossa
felicidade, gera enormes infelicidades.
E o pior é que essa
agressividade excessiva já se manifesta desde os nossos primeiros dias. Todo bebê
é temperamental,
meio histérico, bota a boca no mundo diante da menor contrariedade. Existem,
contudo, alguns que vão além disso. São coléricos, rancorosos e ressentidos.
Uma criança assim
não só inferniza a vida de sua família como diminui a taxa de ternura que dela
poderia receber. Ainda por cima, mesmo quando recebe carinho, está tão zangada,
tão ressentida que nem percebe ou nem pode assimilá-lo.
Uma agressividade
exagerada arruina os relacionamentos amorosos. Ou não os inspira ou, se ainda
consegue inspirá-los, não consegue curti-los.
A tônica das
personalidades agressivas é sua baixa capacidade de compreensão e perdão.
Qualquer coisinha gera, de início, rancor. Passada a fogueira
do rancor inicial, fica esse rancor frio, sem as labaredas do ódio, que é o
ressentimento. Passa o tempo e não vêm nem esquecimento nem perdão. O
ressentimento continua. Nesse estado de espírito, não há afeição que prospere.
Quando
há um predomínio maciço da agressividade na mente, quase que só restam alguns
tipos de prazer: o prazer da vingança, do ser do contra, do ser desmancha-
prazeres.
O pior é
que uma pessoa possuída pelo rancor, cheia de ódio no coração, não enxerga
senão rancor e ódio. O mundo torna-se, para ela, não só detestável como
extremamente perigoso. Um coração agressivo enxerga um gigante cruel e sádico,
espalhado por todo canto, vingativo, encapuzado, esperando numa esquina escura
para nos esfaquear o ventre e fazer sangrar nossas entranhas. Claro que existe
violência, sadismo e crueldade no mundo. Entretanto, a personalidade agressiva
enxerga tudo por uma lente de aumento. Como se encontra nessa faixa abrutalhada
de onda, só é capaz de sintonizar as vibrações abrutalhadas que nos cercam,
eliminando tantas outras vibrações. Ouve o tiro de canhão, a explosão da bala
do revólver, os gritos e gemidos dos torturados, mas não escuta o canto dos
pássaros, a explosão sinfônica da paixão, os gritos e gemidos dos casais
enamorados.
Essa é
uma das importantes causas da paranóia, da mania de perseguição e daquele
misterioso medo que em tantas noites nos assalta. O medo que faz a gente
trancar a porta do quarto e, com o resto de coragem que ainda sobra, abrir a
cortina do chuveiro para se certificar de que lá não se encontra algum
estrangulador, estripador ou estuprador sádico.
O problema é que quando há mais bruxas
do que fadas no nosso peito, há muito mais bruxas do que fadas na nossa idéia.
O destino fica marcado por ser desumano e estar prestes a aprontar alguma.
Ficamos pessimistas, com maus presságios e piores pressentimentos. Estará o nosso
amado nos traindo? Estarão nossos filhos fisicamente bem? Nosso trabalho tem perspectivas?
Nosso futuro será
sombrio? Ficamos possuídos pelo pessimismo e pelo medo, que inclusive invadem
nosso corpo. Estarão as forças agressivas da morte vencendo as forças amorosas
da vida? Essa é a origem principal da mania de doença, do suplício da
hipocondria. E o ônibus vai bater? E o avião vai cair? E a velhice vai chegar depressa demais?
Claro, para quem
vive debaixo de um céu coalhado de abutres e urubus, é grande a tentação de se
mudar desse mundo e de se recolher em castelos de fantasias mais
amenas. Essa é
outra origem das esquizofrenias.
É grande também a
tentação de se tornar tão forte e poderoso que mais nenhum mal possa
lhe acontecer. Ou tão fraco, tímido, inexpressivo, que ninguém mais
se dê ao trabalho
de lhe fazer mal. Afinal, cachorro morto não leva pontapé. Essa é uma das
origens da ambição desmedida, da volúpia incontida de poder e, paradoxalmente,
de uma excessiva desambição, fragilidade e timidez.
Caso uma pessoa
possuída pelo demônio da ira consiga escapar de todos esses perigos, de um dificilmente escapará.
Refiro-me ao abrutalhamento de suas idéias,
seus gestos e suas
emoções. A tentação de resolver tudo, não pela habilidade, paciência e
compreensão (virtudes que evidentemente faltam à personalidade agressiva), mas
pela força bruta, no peito e na marra, por métodos animalescos e bestiais.
Se essa pessoa
ficar do lado da criminalidade, ela se tornará um delinqüente
sanguinário. Se
optar pelo lado da lei, ela se converterá numa índole policialesca. Se optar
pela moral e pelos bons costumes, eis aí uma das origens do moralista de
plantão, que ameaça com o fogo do inferno a todos que, simplesmente, vivem
completamente suas vidas. De seus lábios,
só sairão sentenças apocalípticas; em tudo enxergará pecado, libertinagem,
falta de vergonha, degradação e desregramento. Contudo, esse moralista
não será ele próprio o desregrado?