INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

OS SETE PECADOS CAPITAIS

Os Sete Pecados Capitais
Parte III

Preguiça
A preguiça é considerada a mãe de todos os vícios. Ela se manifesta em todos os níveis: preguiça de cabeça, do corpo, do coração. Preguiça de pensar, de fazer e de sen­tir.
Para o preguiçoso, tudo que dá trabalho, que exige esforço e representa garra, perde a graça. Ele quer tudo na boquinha, tipo caminha feita e portas abertas. Caso contrá­rio, desiste, desencanta-se, desinteressa-se, mal tenha co­meçado qualquer coisa.
A preguiça é uma importante causa do alcoolismo e das toxicomanias. Claro. Se pode existir um produto químico capaz de gerar relaxamento, sonho e prazer, para que lutar para produzir poesia, encantamento e deleite? O preguiçoso quer sentir sensações? Então basta encharcar-se de álcool ou fumar maconha, cheirar cocaína e injetar morfina e heroína
pelas veias adentro. É bem mais fácil do que fazer poesia, viver um amor, fazer amor, compor uma canção, encenar uma peça de teatro, um filme ou uma novela de televisão. Se a pessoa deseja se sentir inteligente e falante, para que puxar pela cabeça, se a química a faz sentir (erroneamente) todas essas coisas?
Quando atinge a cabeça, a preguiça gera perigosas con- seqüências. A criança que deseja vida mansa, tipo come-e- dorme, não desenvolve direito seu entendimento da reali­dade. Quando algo não sai como ele gosta, ao invés de botar a cabeça para funcionar e tentar entender o que houve — o que ele fez e os outros fizeram —, o preguiçoso prefere o cami­nho mais fácil de ficar zangado com as pessoas e o mundo, assumindo uma preguiçosa posição de vítima. Passa a se colocar como um paxá turco, um marajá indiano, achando que o mundo existe apenas para servi-lo. Caso as coisas não saiam tal como ele programa, e se não quiser mais se dar nem ao trabalho de ficar zangado, pode cair num terreno mais perigoso ainda: o do tanto fez como tanto faz, o do dar de ombros, do desinteresse pelas coisas e pelas pessoas (e até por si mesmo).
Ora, com essas atitudes, já estamos diante da possibili­dade de sérias doenças mentais, inclusive das mais graves esquizofrenias. Não pensando, a pessoa perde o sentido da realidade, fica retardada, imatura. Não reagindo com empe­nho, ou se torna apenas rancorosa e acusadora, ou nem isso — torna-se simplesmente indiferente, o que representa a deserção suprema da vida.
Existe outra grave alternativa para o espírito dominado pelo demônio da preguiça. Tudo bem: ele não desiste da vida, não cai na posição de marajá ou de vítima do mundo cruel, não se degrada à condição de um mineral, mas se afasta do mundo de outra maneira. Simplesmente muda de endereço. Não vive mais na realidade, mas na fantasia. Essa é outra perigosa causa das esquizofrenias. Uma das origens de a pessoa viver no mundo da lua ou perder o pé da realidade e começar a alucinar e a delirar brabo. Simplesmente essa pessoa não aprendeu a fazer diferença entre sonho e realidade. É uma espécie de alcoolismo sem álcool, de toxicomania sem tóxicos.
Se escapar das esquizofrenias, o preguiçoso corre o risco de se tornar um neurótico grave. No sexo, ao invés das relações afetivas, pode preferir as profissionais. Ou nem isso: pode se contentar com a masturbação. Ou nem a mas­turbação: melhor não ter sexo nenhum. Essa é uma causa da frigidez e da impotência.
No amor, pode partir para o golpe do baú. Como sem­pre, quer tudo na boquinha. Ao invés de se relacionar com pessoas do mesmo pique, e juntos construírem uma relação fecunda, deseja o prato feito. Ou deseja um casamento com uma pessoa mais rica de cabeça, de sexo, de emoção, ou até de conta bancária.
Acima de tudo, não quer relacionamentos que lhe dêem trabalho. Qualquer dificuldade pode esfriá-lo e fazê-lo per­der o interesse.
Se é mulher, ao invés de se tornar uma grande mulher em todos os sentidos, para assim e só assim merecer um grande homem, prefere ficar sonhando com um príncipe encantado que um dia chegará. Trata-se de uma bela ador­mecida, mais para adormecida do que para bela.
Na profissão, o preguiçoso é lerdo, campeão em deixar para amanhã o que pode fazer hoje. Ao invés de realizar tarefas e resolver problemas, prefere arranjar desculpas e explicações esfarrapadas. Ao invés de enfrentar a verdade, sempre é mais cômodo inventar histórias... Assim no traba­lho, assim no amor.
Todo ser humano é um bâmbi assustado. Morre de medo de ser rejeitado, e por isso é tímido. O que faz o preguiçoso? Ao invés de enfrentar 100, 200, 500 vezes o que o assusta, desiste na décima vez. E, como é preguiçoso, ainda acha que fez muito. Essa é uma das origens da timidez e das fobias. Acima de tudo, o preguiçoso é alguém que rapidamente desiste. É fogo de palha, não leva nada a fundo. Tudo para ele é pesado, doloroso e dá trabalho.
Claro que existe o lado bom da preguiça. É ela que nos permite repousar, dormir com prazer, fazer samba e amor até mais tarde e ter muito sono de manhã. Sem ela, seríamos frenéticos, excitados e insuportáveis.

Parte IV

Ira
A ira é outra importante causa de doenças mentais. Evidentemente, não se trata aqui da sadia agressividade que surge quando estamos sendo realmente vítimas da agressão alheia. É claro que cada situação exige um grau adequado de violência, que pode ir do zero ao infinito. Ninguém no mundo é contra o natural instinto de defesa. Sem ele já estaríamos todos mortos.
Contudo uma agressividade excessiva, desproporcional à necessidade, ao invés de nos aproximar da vida, nos apro­xima da morte. Ao invés de proteger nossa felicidade, gera enormes infelicidades.
E o pior é que essa agressividade excessiva já se mani­festa desde os nossos primeiros dias. Todo bebê é tempera­mental, meio histérico, bota a boca no mundo diante da menor contrariedade. Existem, contudo, alguns que vão além disso. São coléricos, rancorosos e ressentidos.
Uma criança assim não só inferniza a vida de sua família como diminui a taxa de ternura que dela poderia receber. Ainda por cima, mesmo quando recebe carinho, está tão zangada, tão ressentida que nem percebe ou nem pode assimilá-lo.
Uma agressividade exagerada arruina os relaciona­mentos amorosos. Ou não os inspira ou, se ainda consegue inspirá-los, não consegue curti-los.
A tônica das personalidades agressivas é sua baixa ca­pacidade de compreensão e perdão. Qualquer coisinha gera, de início, rancor. Passada a fogueira do rancor inicial, fica esse rancor frio, sem as labaredas do ódio, que é o ressenti­mento. Passa o tempo e não vêm nem esquecimento nem perdão. O ressentimento continua. Nesse estado de espírito, não há afeição que prospere.
Quando há um predomínio maciço da agressividade na mente, quase que só restam alguns tipos de prazer: o prazer da vingança, do ser do contra, do ser desmancha- prazeres.
O pior é que uma pessoa possuída pelo rancor, cheia de ódio no coração, não enxerga senão rancor e ódio. O mundo torna-se, para ela, não só detestável como extremamente perigoso. Um coração agressivo enxerga um gigante cruel e sádico, espalhado por todo canto, vingativo, encapuzado, esperando numa esquina escura para nos esfaquear o ventre e fazer sangrar nossas entranhas. Claro que existe violência, sadismo e crueldade no mundo. Entretanto, a personalidade agressiva enxerga tudo por uma lente de aumento. Como se encontra nessa faixa abrutalhada de onda, só é capaz de sintonizar as vibrações abrutalhadas que nos cercam, elimi­nando tantas outras vibrações. Ouve o tiro de canhão, a explosão da bala do revólver, os gritos e gemidos dos tortu­rados, mas não escuta o canto dos pássaros, a explosão sinfônica da paixão, os gritos e gemidos dos casais enamora­dos.
Essa é uma das importantes causas da paranóia, da mania de perseguição e daquele misterioso medo que em tantas noites nos assalta. O medo que faz a gente trancar a porta do quarto e, com o resto de coragem que ainda sobra, abrir a cortina do chuveiro para se certificar de que lá não se encontra algum estrangulador, estripador ou estuprador sádico.
O problema é que quando há mais bruxas do que fadas no nosso peito, há muito mais bruxas do que fadas na nossa idéia. O destino fica marcado por ser desumano e estar prestes a aprontar alguma. Ficamos pessimistas, com maus presságios e piores pressentimentos. Estará o nosso amado nos traindo? Estarão nossos filhos fisicamente bem? Nosso trabalho tem perspectivas? Nosso futuro será sombrio? Fi­camos possuídos pelo pessimismo e pelo medo, que inclu­sive invadem nosso corpo. Estarão as forças agressivas da morte vencendo as forças amorosas da vida? Essa é a origem principal da mania de doença, do suplício da hipocondria. E o ônibus vai bater? E o avião vai cair? E a velhice vai chegar depressa demais?
Claro, para quem vive debaixo de um céu coalhado de abutres e urubus, é grande a tentação de se mudar desse mundo e de se recolher em castelos de fantasias mais ame­nas. Essa é outra origem das esquizofrenias.
É grande também a tentação de se tornar tão forte e poderoso que mais nenhum mal possa lhe acontecer. Ou tão fraco, tímido, inexpressivo, que ninguém mais se dê ao tra­balho de lhe fazer mal. Afinal, cachorro morto não leva pontapé. Essa é uma das origens da ambição desmedida, da volúpia incontida de poder e, paradoxalmente, de uma ex­cessiva desambição, fragilidade e timidez.
Caso uma pessoa possuída pelo demônio da ira consiga escapar de todos esses perigos, de um dificilmente escapará. Refiro-me ao abrutalhamento de suas idéias, seus gestos e suas emoções. A tentação de resolver tudo, não pela habi­lidade, paciência e compreensão (virtudes que evidente­mente faltam à personalidade agressiva), mas pela força bruta, no peito e na marra, por métodos animalescos e bes­tiais.
Se essa pessoa ficar do lado da criminalidade, ela se tornará um delinqüente sanguinário. Se optar pelo lado da lei, ela se converterá numa índole policialesca. Se optar pela moral e pelos bons costumes, eis aí uma das origens do mora­lista de plantão, que ameaça com o fogo do inferno a todos que, simplesmente, vivem completamente suas vidas. De seus lábios, só sairão sentenças apocalípticas; em tudo enxergará pecado, libertinagem, falta de vergonha, degradação e desregramento. Contudo, esse moralista não será ele próprio o desregrado?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Os Sete Pecados Capitais


Parte II
Mascarenhas, Eduardo, Emoções no divã de Eduardo Mascarenhas,1985.

os sete pecados capitais se relacionam com as doenças mentais — cristianismo e psi­canálise têm vários pontos de convergência — para a psicanálise também são importan­tes o respeito e a disciplina — o prazer não pode ser considerado um pecado
Psicanálise e religião, continuação..
E o que significa a palavra pecado? Pecado vem do latim pecare, que significa “errar o alvo”, estar desorientado, sem bússola ou com a bússola errando nas informações que ofe­rece.
É preciso restabelecer a verdadeira ligação entre as coisas, orientar-se, nortear-se, descobrir uma bússola na qual se possa confiar.
Por isso, a verdadeira psicanálise não pode conflitar com as verdadeiras religiões. Quando saímos da superfície das aparências imediatas, descobrimos muitos pontos em comum.
Se pensarmos nos sete pecados capitais, não com ranço puritano ou com cabeça medieval, mas de uma forma arro­jada, moderna, contemporânea, vamos encontrar neles uma espantosa semelhança com os fatores que a psicanálise des­cobriu como sendo as causas de todas as doenças mentais, desde a mais simples das fobias até as depressões suicidas, os ódios homicidas e as mais graves esquizofrenias.
Só que a psicanálise não considera as crianças anjinhos ou querubins. Desde o berço, a cabecinha do bebê está a mil. Desde o nascimento a criança é extremamente generosa, mas extremamente cruel. É sujeita a grande amores e gran­des ódios. A um só tempo, é dócil e temperamental, crédula e desconfiada, ingênua e maliciosa. E sua malícia não se resume a aprontações inocentes; não: estas são abertamente sexuais. Só que a maneira de a criança transar sexo é dife­rente daquela que terá quando for adulta. Nos seus momen­tos de cólera, se tivesse meios, seria concretamente capaz de realizar atos de extrema violência. Em síntese, já existem na criança, em miniatura, em estado de semente, todas as virtu-
des e todas as misérias do adulto. Essa, aliás, é nossa gran­deza: já nascemos humanos. Se nossa consciência leva 18 a 21 anos para adquirir sua maioridade, não é porque antes fôssemos santinhos. Pelo contrário. É que éramos tão pas­sionais, tão mais emoção do que razão, que é preciso todo esse tempo para conseguirmos controlar nossa natureza bravia.
Creio que o moderno cristianismo não teria qualquer dificuldade em aceitar essas descobertas da psicanálise.
Quem imaginar que o verdadeiro cristianismo faz qualquer restrição ao sexo, ao prazer, à alegria, à folia, à poesia, estará completamente enganado. O cristianismo inclusive não se cansa de afirmar que somos seres de corpo e alma, espírito e matéria. O cristianismo mais profundo está preo­cupado é com o desregramento, não com a liberdade. Aben­çoa o desejo, porque ele é o motor da vida. Preocupa-se, na verdade, com a fissura enlouquecida, o desejo desatinado, as paixões desembestadas. Não é contra o nosso lado de bicho, mas preocupa-se com a possibilidade de que nos torne ani­malescos, verdadeiras bestas humanas. O cristianismo não tem nada contra o prazer em si, mas reconhece que a idola­tria do prazer acaba nos tornando irresponsáveis — o que empobrece o próprio prazer e ameaça a possível felicidade.
Com isso a psicanálise está plenamente de acordo. Ao contrário do que vulgarmente se pensa, a psicanálise não é uma doutrina hedonista, sexomaníaca e muito menos apolo­gista do vale-tudo. Pelo contrário. Justamente porque a psi­canálise está a favor do prazer e do desejo, sabe que são importantíssimos o respeito e a disciplina. Nada conspira mais contra a realização plena dos desejos do que a bagunça, as taras e as obsessões. Psicanálise não tem nada a ver com libertinagem ou pais bananas que mimem crianças. Mimar crianças é, no fundo, tratá-las muito mal. É criar verdadeiros monstrinhos que, evidente mente, quando crescerem, não serão felizes. Isso também não significa confundir energia, respeito e disciplina com violência, repressão e arbítrio.
Entre o autoritarismo e a anarquia, certamente existem o respeito e a energia, fraterna e democrática.
Por estudar o desejo, a psicanálise descobriu, inclusive, que ele é extremamente complexo, plural, contraditório. Freqüentemente desejamos uma coisa e o contrário dela. Quando um desejo domina a personalidade e subjuga todos os outros, não pode haver felicidade. Por quê? Porque o prazer de satisfazê-lo trará a frustração de tantos outros desejos e tantos outros prazeres abafados. Para a psicaná­lise, uma tara é isso: um desejo — seja ele de que tipo for — que domina ditatorialmente a personalidade, dobrando-a a seu poder e reprimindo todos os outros. Na realidade, é uma parte da natureza humana que subjuga a natureza humana como um todo. Isso é igual à perversão, à neurose, à loucura.
Ora, isso é exatamente o que o cristianismo chamaria de perdição, de uso irresponsável da liberdade, de tornar abso­luto um valor relativo.
A parte ser tomada pelo todo, o todo se subjugar a uma das partes — essa é a noção de pecado para o cristianismo. E de doença mental para a psicanálise.
Cada pessoa é um conjunto complexo de desejos con­traditórios. Como então atendê-la? Atendendo a cada uma das partes, sem que, ao fazer isso, a gente se esqueça do conjunto geral dos desejos. Como cada pessoa contém den­tro de si várias pessoas, é preciso conseguir atender, de alguma maneira, a todas. Cada parte, portanto, terá que fazer concessões ao bem comum. Quando atendemos so­mente a algumas, esquecendo das outras, estamos errando o alvo e, nesse sentido, pecando. Alguns desejos são mima­dos, tratados a pão de mel, enquanto outros são completa­mente esquecidos.
Suponhamos, por exemplo, uma pessoa comilona. É óbvio que comer é bom, é gostoso, dá prazer. Porém, comer demais o tempo todo faz mal, deixa a pessoa gorda, sem saúde, menos desejada pelas outras pessoas. Como, então, atender ao desejo de ter um corpo mais belo e de ser maisdesejável? Esse é o pecado da gula. Ao acertar um alvo parcial, erra o alvo total. Ao atender um prazer, desatende a outros. Ao satisfazer um desejo, frustra outros.
Mais um exemplo. Suponhamos uma pessoa que só pensa em sexo. Digamos, um homem mulherengo que não pode ver passar na sua frente uma tanga, ou uma mulher ninfomaníacaque se entrega a qualquer um. Ora, é óbvio que fazer sexo é gostoso, dá prazer e satisfaz um lado nosso. E óbvio também que existem muitas pessoas atraentes nesse mundo, e é até virtude perceber isso. Visto por um olhar fino e generoso, quem não merece ser objeto de um encanto? E até cristão reconhecer a beleza e a magia das pessoas. Des­cobrir a poesia e o feitiço dos homens e mulheres desse mundo. Entretanto, se alguém se torna sexomaníaco, não pode realmente amar ninguém, construir uma família e curtir o imenso prazer que é ter filhos. Sequer pode tra­balhar ou levar avante uma carreira profissional. Ora, es­tamos diante da gula sexual. Esse é o sentido do pecado da luxúria.
Outro exemplo ainda. Suponhamos uma pessoa cheia de ódio, intolerância e ressentimento no seu coração. E claro que todos sentimos raiva quando alguém pisa no nosso calo. Essa raiva é até uma virtude, pois nos permite reagir e defender nossos legítimos interesses. A agressividade faz parte da vida, é a energia encarregada de defendê-la e de protegê-la em certas circunstâncias. Quando nossos filhos são agredidos e ameaçados de morte, bendita a agressivi­dade que nos torna leões, capazes de enfrentar tudo e todos para defendê-los.
Entretanto, se quase nada de relevante está aconte­cendo, apenas uma pessoa não nos tratou exatamente como gostaríamos e nos tornamos um pote até aqui de mágoa... Se o mundo não é exatamente como desejaríamos e por isso o odiamos e nos encastelamos numa posição rancorosa, de vítimas desse mundo cruel, querendo que todos se dêem muito mal... Se nossa única alegria torna-se a desgraça alheia, nosso único prazer a vingança, onde ficam as outras alegrias, os outros prazeres? Esse é o pecado da ira.

Os sete pecados capitais são “gostosos” em si, geram um certo nível de prazer. Mas estão longe de preencher os ní­veis superiores da felicidade e da realização humana. São pra­zeres menores que atrapalham os prazeres maiores. E essa não é só uma questão do cristianismo. É uma questão da psi­canálise. Quando qualquer dos pecados capitais domina a mente humana como um todo, determina nosso jeito de ser, de pensar, de sentir e de agir, estamos no perigoso terreno da perdição. Perdição numa ruim, e não no sentido poético do termo. Perdição como o grave risco de não mais nos encon­trarmos nem com os outros nem conosco. Como os pecados capitais coincidem com as atitudes de cabeça responsáveis por todas as doenças mentais, podemos dizer que a idéia de perdição e pecado, para o cristianismo, e a idéia de confusão e doença, para a psicanálise, têm tudo a ver.