INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A clínica psicanalítica e as afecções psicossomáticas

SOCIEDADE PSICANALÍTICA ORTODOXA DO BRASIL
Curso Livre de Capacitação em Psicanálise
20º Módulo - Fenômenos Psicossomáticos.
Nos dias 11 e 12 de Dezembro

Ao se deparar com as neuroses atuais e, em especial, com a neurose de angústia, Freud percebeu as limitações do seu método clínico inicial, desenvolvido em torno das psiconeuroses, para atenuar o sofrimento encontrado em tais pacientes. Já no texto "A Psicoterapia da histeria", Freud (1996 [1895c]) apresenta o seu método fundado na livre associação de ideias em direção às representações que constituíam o núcleo patogênico da psiconeurose. Contudo, por não possuir uma gênese psíquica, "a neurose de angústia" não encontraria benefícios diretos nesse método clínico.
Contudo, mesmo sustentando essa limitação da técnica em termos teóricos, Freud verificou uma melhora indireta no tratamento clínico dos pacientes acometidos pela "neurose de angústia". Para Freud, tal melhora era devida ao reestabelecimento de uma vida sexual ativa como uma consequência dos atendimentos. Percebemos aqui a possibilidade de essa proposição de Freud ser compreendida de maneira mais ampla, a partir do pensamento de Winnicott. Para ele, a clínica com pacientes que apresentam um transtorno psicossomático relaciona-se ao acolhimento de um sofrimento não compreensível em termos simbólicos.
O manejo encontrado nos exemplos de transtornos psicossomáticos relatados por Winnicott (1994b [1969], 1994c [1970], 2000a [1949]) tem em comum a abertura em se receber, na clínica, a pessoa total de seu paciente, isto é, receber suas expressões passíveis e não passíveis de simbolização e de integração. Essa postura seria fundamental, justamente porque o sofrimento desses pacientes encontra-se na fronteira entre o somático e o psíquico e não poderia ser apreendido pelas metodologias tradicionais de saúde. Winnicott (1994b [1969]) assinala que a divisão nas disciplinas de saúde (médica, psicanalítica, psicoterapêutica, religiosa e terapias complementares) facilita para as pessoas com transtornos psicossomáticos utilizá-la, justamente para que a cisão entre psique e corpo se mantenha.
Portanto, Winnicott (2000a [1949]) destaca a importância do analista em acolher o não-saber sobre a condição do paciente e permitir, com esse posicionamento, a presença do corpo do paciente no setting analítico. Em sua perspectiva, um manejo baseado em interpretações poderia ser usado para uma intelectualização ainda maior por parte do paciente quanto ao seu sofrimento, aprofundando, assim, a cisão entre a psique e o soma1. Além disso, Winnicott (1994c [1970]) demonstra a importância de o analista não tomar o adoecimento psicossomático como sendo uma deformidade ou patologia - o que repetiria a lógica do atendimento segmentado nas instituições de saúde -, mas adotar a postura de acolher o paciente, concebendo-o como alguém que, em termos potenciais, estaria inclinado à integração psicossomática.
Alguns autores contemporâneos apresentam contribuições ao manejo clínico diante do transtorno psicossomático a partir da psicanálise winnicottiana.
Abram (2000) destaca que um paciente que apresenta uma dissociação psicossomática está preparado para compreender - em um nível intelectual - algo a respeito de sua condição, pois foi a partir da intelectualização que este viveu até então. Para essa autora, a postura fundamental do analista seria a de "dar tempo" para o paciente, ou seja, permitir um ambiente que sustente, através do tempo, as condições para que o paciente se recupere da dissociação.
Segundo Tschirner (2002), o analista pode funcionar como um espelho para o paciente, integrando no decorrer do processo analítico os conteúdos que este traz, tendo cuidado para auxiliar o paciente a conseguir nomear os seus estados afetivos aos poucos. Dessa forma, o setting analítico possibilitaria a organização de um eu (self) baseado em experiências afetivas e próprias.
Conforme Pedrozo (1995), um manejo adequado por parte do analista pode ajudar a criar a sintonia que faltou entre a mãe-ambiente e o bebê. De acordo com a autora, assim, "o tato psicanalítico substitui o sorriso e o toque da mãe" (p. 94).
Pinheiro (2008), por sua vez, aponta para a possibilidade de adoecimentos psicossomáticos que lançam mão de uma identificação, via corpo, do paciente com um parente, sem a presença de uma mediação simbólica; diante de tal sofrimento, o analista pode atuar como uma mãe-ambiente, que auxilia o paciente a integrar-se com os seus próprios sentimentos e desejos. 
Dessa forma, consideramos que, diante do transtorno psicossomático, o psicanalista deve se concentrar na possibilidade de oferecer um acolhimento ao sofrimento do paciente de uma forma não invasiva, o que, às vezes, é produzido por meio do uso de interpretações que visem alcançar a dinâmica inconsciente. Logo, ao entendermos esse tipo de transtorno como se situando em um espaço fronteiriço entre a psique e o soma, faz-se mister não reduzirmos tal padecimento a nenhum dos dois registros. O objetivo visado com essa postura é que se torne possível oferecermos uma escuta integradora e não fragmentária. Assim nos posicionando, talvez seja possível perceber que no transtorno psicossomático há, além do padecimento físico, um pedido de ajuda em direção à integração psicossomática, a qual, com a participação do psicanalista, seria facilitada.