Curso Livre de Capacitação em Psicanálise
20º Módulo - Fenômenos Psicossomáticos.
Nos dias 11 e 12 de Dezembro
Ao se deparar com as neuroses atuais e,
em especial, com a neurose de angústia, Freud percebeu as limitações do seu
método clínico inicial, desenvolvido em torno das psiconeuroses, para atenuar o
sofrimento encontrado em tais pacientes. Já no texto "A Psicoterapia da
histeria", Freud (1996 [1895c]) apresenta o seu método fundado na livre
associação de ideias em direção às representações que constituíam o núcleo patogênico
da psiconeurose. Contudo, por não possuir uma gênese psíquica, "a neurose
de angústia" não encontraria benefícios diretos nesse método clínico.
Contudo, mesmo sustentando essa
limitação da técnica em termos teóricos, Freud verificou uma melhora indireta
no tratamento clínico dos pacientes acometidos pela "neurose de
angústia". Para Freud, tal melhora era devida ao reestabelecimento de uma
vida sexual ativa como uma consequência dos atendimentos. Percebemos aqui a
possibilidade de essa proposição de Freud ser compreendida de maneira mais
ampla, a partir do pensamento de Winnicott. Para ele, a clínica com pacientes
que apresentam um transtorno psicossomático relaciona-se ao acolhimento de um
sofrimento não compreensível em termos simbólicos.
O manejo encontrado nos exemplos de
transtornos psicossomáticos relatados por Winnicott (1994b [1969], 1994c
[1970], 2000a [1949]) tem em comum a abertura em se receber, na clínica, a
pessoa total de seu paciente, isto é, receber suas expressões passíveis e não passíveis
de simbolização e de integração. Essa postura seria fundamental, justamente
porque o sofrimento desses pacientes encontra-se na fronteira entre o somático
e o psíquico e não poderia ser apreendido pelas metodologias tradicionais de
saúde. Winnicott (1994b [1969]) assinala que a divisão nas disciplinas de saúde
(médica, psicanalítica, psicoterapêutica, religiosa e terapias complementares)
facilita para as pessoas com transtornos psicossomáticos utilizá-la, justamente
para que a cisão entre psique e corpo se mantenha.
Portanto, Winnicott (2000a [1949])
destaca a importância do analista em acolher o não-saber sobre a condição do
paciente e permitir, com esse posicionamento, a presença do corpo do paciente
no setting analítico. Em sua perspectiva, um manejo baseado em interpretações
poderia ser usado para uma intelectualização ainda maior por parte do paciente
quanto ao seu sofrimento, aprofundando, assim, a cisão entre a psique e o soma1. Além disso, Winnicott (1994c [1970])
demonstra a importância de o analista não tomar o adoecimento psicossomático
como sendo uma deformidade ou patologia - o que repetiria a lógica do atendimento
segmentado nas instituições de saúde -, mas adotar a postura de acolher o
paciente, concebendo-o como alguém que, em termos potenciais, estaria inclinado
à integração psicossomática.
Alguns autores contemporâneos
apresentam contribuições ao manejo clínico diante do transtorno psicossomático
a partir da psicanálise winnicottiana.
Abram (2000) destaca que um paciente
que apresenta uma dissociação psicossomática está preparado para compreender -
em um nível intelectual - algo a respeito de sua condição, pois foi a partir da
intelectualização que este viveu até então. Para essa autora, a postura
fundamental do analista seria a de "dar tempo" para o paciente, ou
seja, permitir um ambiente que sustente, através do tempo, as condições para
que o paciente se recupere da dissociação.
Segundo Tschirner (2002), o analista
pode funcionar como um espelho para o paciente, integrando no decorrer do
processo analítico os conteúdos que este traz, tendo cuidado para auxiliar o
paciente a conseguir nomear os seus estados afetivos aos poucos. Dessa forma, o setting analítico
possibilitaria a organização de um eu (self) baseado em experiências
afetivas e próprias.
Conforme Pedrozo (1995), um manejo
adequado por parte do analista pode ajudar a criar a sintonia que faltou entre
a mãe-ambiente e o bebê. De acordo com a autora, assim, "o tato
psicanalítico substitui o sorriso e o toque da mãe" (p. 94).
Pinheiro (2008), por sua vez, aponta
para a possibilidade de adoecimentos psicossomáticos que lançam mão de uma
identificação, via corpo, do paciente com um parente, sem a presença de uma
mediação simbólica; diante de tal sofrimento, o analista pode atuar como uma
mãe-ambiente, que auxilia o paciente a integrar-se com os seus próprios
sentimentos e desejos.
Dessa forma, consideramos que, diante
do transtorno psicossomático, o psicanalista deve se concentrar na
possibilidade de oferecer um acolhimento ao sofrimento do paciente de uma forma
não invasiva, o que, às vezes, é produzido por meio do uso de interpretações
que visem alcançar a dinâmica inconsciente. Logo, ao entendermos esse tipo de
transtorno como se situando em um espaço fronteiriço entre a psique e o soma,
faz-se mister não reduzirmos tal padecimento a nenhum dos dois registros. O
objetivo visado com essa postura é que se torne possível oferecermos uma escuta
integradora e não fragmentária. Assim nos posicionando, talvez seja possível
perceber que no transtorno psicossomático há, além do padecimento físico, um
pedido de ajuda em direção à integração psicossomática, a qual, com a
participação do psicanalista, seria facilitada.