INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

sábado, 22 de fevereiro de 2014

OS SETE PECADOS CAPITAIS

Os Sete Pecados Capitais
Parte I 
os sete pecados capitais se relacionam com as doenças mentais — cristianismo e psi­canálise têm vários pontos de convergência — para a psicanálise também são importan­tes o respeito e a disciplina — o prazer não pode ser considerado um pecado
Psicanálise e religião
Cristãos e não-cristãos, todos nós fomos, de alguma maneira, influenciados pelos ensinamentos de Cristo. Toda­via, não é minha intenção discutir o seu sentido místico e religioso. Não estou sequer qualificado para tanto. Não sou teólogo, sou psicanalista. Discutirei, portanto, os aspectos psicológicos da doutrina de Cristo. Discutirei, à luz da psi­canálise, o sentido de pecado e de salvação. Abordarei um por um os sete pecados capitais e tentarei demonstrar como são os responsáveis por todas as doenças mentais. Este não
será, portanto, um capítulo cristão, no sentido religioso do termo. Será cristão, no sentido ético. Melhor dizendo, no sentido que consigo entender como sendo ético e cristão.
Os sete pecados capitais não estão descritos como tais nem no Velho nem no Novo Testamento. Logo, não estão relacionados na Bíblia. Na forma como chegaram até nós, foram catalogados na Idade Média, que aliás tinha mania de catalogar tudo. Representam uma leitura, uma interpretação feita pelos cristãos a partir da Bíblia como um todo. Não fazem parte das Escrituras. Fazem parte, isto sim, da tradi­ção e da doutrina cristã.
Os sete pecados capitais são: gula, ira, inveja, preguiça, orgulho, avareza e luxúria. Gula não se confunde com fome, com apetite, com vontade de comer. Ira não se confunde com o natural sentimento de raiva ou de indignação. Inveja não se confunde com admiração nem com o desejo de ser como alguém e sofrer por não sê-lo. Preguiça não se con­funde com necessidade de repouso, prazer de não fazer nada, vontade de ficar em paz, de dormir ou espreguiçar. Orgulho não se confunde com auto-estima, galhardia, senti­mento de honra ou dignidade pessoal. Avareza não se con­funde com previdência, parcimônia ou sensatez. Luxúria não se confunde com sensualidade, atração física de corpos e almas, prazeres da carne.
Logo, o cristianismo não é contra o desejo, a agressivi­dade, o sexo, o descanso ou o prazer. É contra o desejo desenfreado, exagerado, insaciável, que na realidade atrapa­lha os outros desejos e compromete a vida como um todo. Não é à toa que as virtudes cardeais são temperança, pru­dência, bondade, justiça, fé, esperança e caridade.
Utilizando uma terminologia psicanalítica, eu entende­ria a virtude como aquele jeito de viver que nos torna mais sadios, mais capazes de crescer emocionalmente e, por­tanto, de nos tornarmos mais felizes, mais realizados. E entenderia pecado como aquelas atitudes de cabeça que fazem as pessoas se sentirem perdidas, angustiadas e infeli-zes. Por pecado eu entenderia aquele jeito de pensar, de sentir e de agir que leva ou ao empobrecimento da personali­dade (cabeças empobrecidas e corações mediocrizados) ou à doença mental (neurose, psicose, etc.).
É óbio que, quando aqui me refiro ao cristianismo, não estou me referindo àquele cristianismo que nos ensinaram na escola, cheio de preconceitos, enxergando pecado em tudo que fosse gostoso, que representasse prazer ou liberdade. E óbvio que não estou me referindo ao cristianismo feito para o consumo das massas, superficial e careta, ensinado por cristãos bem intencionados, mas despreparados, cristia­nismo de catecismo ou almanaque. Esse cristianismo tem muito pouco a ver com a psicanálise. Não passa de uma caricatura puritana. Representa, aliás, exatamente a mesma coisa que a psicanálise tal como costuma ser divulgada — tudo se reduzindo ao desejo do filho de querer a mãe e de matar o pai, a traumas de infância ou a uma equivocadíssima idéia de que se deve deixar a criança fazer tudo o que quer. Um misto de tara com delinqüência e mimo. Um misto de sexomania, libertinagem e falta de respeito. Decididamente, psicanálise não é isso.
O que vou dizer, portanto, não tem nada a ver nem com o cristianismo nem com a psicanálise de almanaque. Tem a ver, isso sim, com uma leitura mais profunda do que seja a maneira cristã e a maneira psicanalítica de enxergar a alma humana. É aí que cristianismo e psicanálise têm vários pon­tos de convergência.

Aliás, o que significa a palavra “religião”? Religião significa religar, ligar de novo. Ou seja, redescobrir o nexo das coisas, não deixar nosso pensamento se perder e se consumir numa eterna confusão. Como a vida é sempre maior do que nossa capacidade de compreendê-la, algo que nos ajude a estabelecer a ligação entre as coisas é sempre bom. A perdição não é ter pensamentos sexuais. É, isso sim, estar à deriva, como uma nau sem rumo, ou como uma nau com rumo equivocado. A cabeça imagina que encontrou seus objetivos, mas, na realidade, está desnorteada, não sabe o que quer, para onde vai, nem por que faz as coisas que faz. E doença mental é isso: é estar à deriva, levado por impulsos e obsessões, ou perdido dos outros e de si mesmo. Um labirinto de desejos e emoções dentro do qual, na reali­dade, não nos encontramos.