INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Psiquismo Fetal


Apostila do curso de capacitação em Psicanalise -SPOB-POLO/RS
TEORIA PSICANALÍTICA de Wilfred Ruprecht Bion

          O pensamento psicanalítico de Bion foi sofrendo gradativas transformações, porém não deixou de priorizar a situação psicanalítica da prática clínica. Suas concepções teóricas e metapsicológicas foram adquirindo um caráter filosófico, místico e de conjecturas imaginativas sobre a vida psíquica.
           Inspirado na filosofia Kantiana, Bion usa o termo conjectura para diferenciar conceitualmente o racional, que se refere ao que é comprovado cientificamente e o imaginativo, que se refere ao psíquico, portanto fala de “conjectura imaginativa” e “conjetura racional”.
                 Bion explica seu posicionamento na 9ª Conferência em São Paulo (1992):

O que vou dizer não pode aspirar ao status daquilo que ordinariamente se denomina “pensamento científico”; o máximo que posso reivindicar é de que se trata de uma conjectura imaginativa. A questão central dela é que mesmo antes do nascimento, o feto – não sei quão perto do feto estaria de ser o termo, ou se poderia se aplicar ao embrião em um estágio mais precoce – se torna sensível àquilo que poderia ser denominado “ocorrências”, eventos como sentir a pulsação de seu sangue, ou sentir a pressão física de um tipo que pode ser comunicado através de um fluido aquoso tal como o fluido amniótico ou mesmo o fluido extracelular. (in ZIMERMAN, 2004, p.185).

                 Como ponto de partida de seus estudos sobre a vida mental intrauterina, Bion inspirou-se em Freud pelo destaque que este deu ao recém-nascido ao falar sobre o “desamparo mental” como um estado de angústia provocado pelo corte biológico do cordão umbilical, e pela condição humana de neotenia pelo qual passa a criança, em função da dependência orgânica e psíquica de outras pessoas.
              Em seu clássico artigo “Inibição, Sintoma e Angústia” (1926), Freud escreveu: “A vida extrauterina e a primeira infância apresentam uma continuidade bem maior do que a impressionante cesura do ato de nascimento nos permite supor”. Bion lamenta que Freud não tenha aprofundado sua investigação em relação ao que escreve nessa frase, e parte da perspectiva de que impressionante seria o fato de que alguma coisa espiritual, ou uma vida psíquica intrauterina. Apoiado na embriologia, Bion prossegue em seus pontos de vista, dizendo não ter dúvidas de que o feto pode ouvir e responder a sons musicais, tanto de dentro como os borborinhos internos do corpo da mãe, como os de fora, assim como é certo que o feto se move no útero em resposta a determinados ritmos e apalpações no ventre da mãe. Em suas palavras:

um plasma germinativo é potencialmente perceptivo [...] posso então imaginar que, mesmo no útero materno, esta criança se torna consciente de certas “coisas” que não “são ele” [...]. É possível que o feto esteja consciente de uma “visão” primordial, da luz, e pode ser que se desgoste destas experiências que lhes são impingidas, sensações que parecem provir do espaço exterior – sensação de luz, sensação de barulho – e também de algum lugar que possa parecer interno- o batimento cardíaco, o sangue correndo pelas artérias. Isto poderia ser tão intolerável que o feto poderia – usando nossa terminologia consciente – se esquecer disso, se livrar disso, não ter nada a ver com isso [...]. Suspeito que a experiência do nascimento seja muito severa; o que as pessoas fizeram quando eram embrião ou fetos não está mais disponível ao nascimento (in ZIMERMAN, 2004 p. 187.)    
 O autor afirma que essas desprazerosas sensações fetais precisam se evacuar. Afirma que tem certas zonas peculiares do corpo que se comportam como se tivessem uma mente ou cérebro próprio, e que essas descobertas físicas são bem precocemente.
  Situações há em que, na clínica, o paciente mostra sinais de inexplicável medo embora tenha aprendido a não demonstrar ou até ignorar, o que Bion recomenda, por achar conveniente, seja chamado de medo talâmico. Este parece ter uma origem bem rudimentar. Aprofundando seus estudos, o autor fala de impressões sensoriais e neurofisiológicas decorrentes de um protopsiquismo embrionário e fetal, o que está começando a ter reconhecimento psicanalítico, e abre uma porta para a compreensão dos fenômenos psicossomáticos.