Apostila do curso de capacitação em Psicanalise -SPOB-POLO/RS
TEORIA PSICANALÍTICA de Wilfred Ruprecht Bion
O pensamento psicanalítico de Bion
foi sofrendo gradativas transformações, porém não deixou de priorizar a
situação psicanalítica da prática clínica. Suas concepções teóricas e
metapsicológicas foram adquirindo um caráter filosófico, místico e de
conjecturas imaginativas sobre a vida psíquica.
Inspirado na filosofia Kantiana,
Bion usa o termo conjectura para diferenciar conceitualmente o racional, que se
refere ao que é comprovado cientificamente e o imaginativo, que se refere ao
psíquico, portanto fala de “conjectura imaginativa” e “conjetura racional”.
Bion explica seu
posicionamento na 9ª Conferência em São Paulo (1992):
O que vou dizer não pode aspirar ao status
daquilo que ordinariamente se denomina “pensamento científico”; o máximo que
posso reivindicar é de que se trata de uma conjectura imaginativa. A questão
central dela é que mesmo antes do nascimento, o feto – não sei quão perto do
feto estaria de ser o termo, ou se poderia se aplicar ao embrião em um estágio
mais precoce – se torna sensível àquilo que poderia ser denominado
“ocorrências”, eventos como sentir a pulsação de seu sangue, ou sentir a
pressão física de um tipo que pode ser comunicado através de um fluido aquoso
tal como o fluido amniótico ou mesmo o fluido extracelular. (in ZIMERMAN, 2004,
p.185).
Como ponto
de partida de seus estudos sobre a vida mental intrauterina, Bion inspirou-se
em Freud pelo destaque que este deu ao recém-nascido ao falar sobre o
“desamparo mental” como um estado de angústia provocado pelo corte biológico do
cordão umbilical, e pela condição humana de neotenia pelo qual passa a criança, em função da dependência
orgânica e psíquica de outras pessoas.
Em seu clássico artigo “Inibição,
Sintoma e Angústia” (1926), Freud escreveu: “A vida extrauterina e a primeira
infância apresentam uma continuidade bem maior do que a impressionante cesura do ato de nascimento nos permite
supor”. Bion lamenta que Freud não tenha aprofundado sua investigação em relação
ao que escreve nessa frase, e parte da perspectiva de que impressionante seria
o fato de que alguma coisa espiritual, ou uma vida psíquica intrauterina.
Apoiado na embriologia, Bion prossegue em seus pontos de vista, dizendo não ter
dúvidas de que o feto pode ouvir e responder a sons musicais, tanto de dentro
como os borborinhos internos do corpo da mãe, como os de fora, assim como é
certo que o feto se move no útero em resposta a determinados ritmos e
apalpações no ventre da mãe. Em suas palavras:
um plasma germinativo é potencialmente
perceptivo [...] posso então imaginar que, mesmo no útero materno, esta criança
se torna consciente de certas “coisas” que não “são ele” [...]. É possível que
o feto esteja consciente de uma “visão” primordial, da luz, e pode ser que se
desgoste destas experiências que lhes são impingidas, sensações que parecem
provir do espaço exterior – sensação de luz, sensação de barulho – e também de
algum lugar que possa parecer interno- o batimento cardíaco, o sangue correndo
pelas artérias. Isto poderia ser tão intolerável que o feto poderia – usando
nossa terminologia consciente – se esquecer disso, se livrar disso, não ter
nada a ver com isso [...]. Suspeito que a experiência do nascimento seja muito
severa; o que as pessoas fizeram quando eram embrião ou fetos não está mais
disponível ao nascimento (in ZIMERMAN, 2004 p. 187.)
O
autor afirma que essas desprazerosas sensações fetais precisam se evacuar.
Afirma que tem certas zonas peculiares do corpo que se comportam como se
tivessem uma mente ou cérebro próprio, e que essas descobertas físicas são bem
precocemente.
Situações há em que, na clínica, o
paciente mostra sinais de inexplicável medo embora tenha aprendido a não
demonstrar ou até ignorar, o que Bion recomenda, por achar conveniente, seja
chamado de medo talâmico. Este parece ter uma origem bem rudimentar.
Aprofundando seus estudos, o autor fala de impressões sensoriais e
neurofisiológicas decorrentes de um protopsiquismo embrionário e fetal, o que
está começando a ter reconhecimento psicanalítico, e abre uma porta para a
compreensão dos fenômenos psicossomáticos.