Há um princípio consagrado na psicanálise, que deve ser tomado como
fundamental no
exercício de nossas atividades clínica, que é: começar pela
superfície (Greenson, 1967). Ou seja, encetar a concentração da nossa atenção a
partir das camadas psíquicas mais superficiais, sabendo-se que:
(1) nas partes mais profundas do psiquismo humano encontra-se o Id, fonte
primeira de toda energia, no Inconsciente, que se pode definir como abissal,
para reforçar a conotação de inacessibilidade;
(2) na superfície, acessível, se encontra o Ego, este sim, no nível do
Consciente, sendo, por isso mesmo, o objetivo permanente do psicanalista.
Tomando-se por norma o acima dito, teremos que o nosso trabalho se amplia
enormemente, pois não investigaremos apenas o quer que seja adstrito às
interações (gratificações, respostas com todos os seus formatos) e suas
conseqüentes fantasias, ao tempo do desenrolar, pois desenvolveremos o nosso
trabalho colocando-nos na posição de voltados para tudo o que se relacione com
o problema do ajustamento ao mundo exterior, tais como patologias, higidez,
finalidade e gênese das atitudes, que assumem o papel de defesas etc., buscando
alcançar o máximo (totalidade, seria melhor) de informações a respeito das
outras instâncias.
Assim, estaremos sendo coerentes com a preocupação em conhecer o real
formato do Ego, sua amplitude, o quantum de avanço do Id e do Superego
sobre ele e no mesmo nível de interesse, o real significado do mundo exterior.
Por via de conseqüência, ter-se-ão o conteúdo do Id e os mecanismos das
vicissitudes impostas, pelo paciente, às suas manifestações instintuais.
A questão das vicissitudes há que ser sublinhada, vez que são elas que
expressam, com mais veemência, a força do fenômeno que a psicanálise descreve
como a abertura de caminho o que, na
verdade, corresponde a uma verdadeira invasão,
que é o que fazem os impulsos instintivos na busca da gratificação no nível
egóico, que é quando se experiência, também, o quadro que é descrito, pelo
paciente, como o de uma sensação de
tensão e de desprazer.
Voltando-nos agora para o Superego, vamos ter que, conquanto tão
importante quanto às outras duas agências, torna-se ele algo indistinto para
nós psicanalistas, muito especialmente quando não ocorrem discrepâncias com o
Ego, além do fato de, da parte do paciente, ser ele acessível
endopsiquicamente, significando com isso, que sua real expressão só é manifestada
quando se tornam exacerbadas as suas críticas e as suas hostilidades, geradoras
de sentimentos de culpa com vários graus de intensidade.
Resumindo, quer-se deixar por estabelecido o que ensinam os mestres,
quando dizem que o que nos importa, na clínica, é o Ego, já que é por ele e
somente por ele, que acessamos as demais agências psíquicas. Assim é que, dizem
eles, sob condições da absoluta normalidade, manter-se-á o Ego na posição de
observador do Id, quer dizer, de suas demandas, agindo então ante estas,
apresentadas intrusivamente, com a tranqüilidade de quem, do alto de uma
posição de executivo:
(1)
Vivencia os efeitos dessas pulsões instintuais e;
(2)
Promove o que quer que seja necessário para que sejam
alcançadas as competentes oportunidades de gratificações, tópicos estes, que
correspondem ao sentimento de desprazer pelo incremento das tensões e o
necessário alívio, proporcionado pelas gratificações.
O exposto no tópico acima fala:
Do surgimento dos impulsos instintuais, da presença da energia libidinal
(que dá condição de mobilidade à pulsão) e;
Da finalidade que esta objetiva, bem como da administração, que, idealmente, há que ser exercitada pelo Ego.
Mas podem ocorrer conflitos decorrentes do trânsito entre o Id e o Ego e
isto por conta de algumas características do Id e, digamos, das que são
territoriais, referidas ao espaço ocupado pelo Ego, que é o consciente.
Quanto às pulsões, estas, literalmente, invadem o Ego (e elas sempre o
fazem em termos de invasão), carregadas de energia instintual (libidinal),
fundamentadas nos processos primários, em que o ingente é a descarga
(gratificação), sem qualquer outra consideração, ou seja, sem fazer
associações, trazendo, explodindo de energia, condensações de várias origens.
Veja-se, então, que a ação toda, vai se desencadear num território em que
o Ego atua sob outras regras, as ditadas pelo processo secundário, vê que conta
com funções tais como a sintético-integradora,
o domínio-competência, a regressão adaptativa, o sentido de realidade e
outras (Bellak e Faithorn, 1981),
funções estas que com diversos graus de veemência se manifestam, por conta da
exigência de respeito incondicional à realidade circundante, o que, de resto,
inclui tudo o que há no Superego, o herdeiro dos pais, que é constituído pelos
valores parentais e por todas as ordenações legais referidas à moral e ao social.
Lendo-se Bellak vamos então perceber, à vista das funções egóicas por ele
e colaboradores apontadas, que compete ao Ego a coordenação das funções e
impulsos internos, fazendo-o de tal forma, que as suas expressões ante o mundo
exterior sejam apresentadas, tanto quanto possível, sem o experienciamento de
conflitos.
A partir do esquema acima referido, depreende-se que as pulsões
instintuais geram toda a sorte de rejeição por parte do Ego, que lhes impõe,
necessariamente, um sem-número de modificações (as vicissitudes), o que resulta
em graves crises, um verdadeiro estado de guerra, um confronto entre potências
portadoras de muita energia: o Id vai
invadir e o Ego a repelir, valendo-se este de mecanismos com as mais
variadas características, visando neutralizar o conflito em que se encontra.
Resumindo:
Todo esse quadro se passa no Ego,
o nosso objeto enquanto analistas, interessados que devemos ser no material do
Id, a sofrer modificações impostas pelo Ego (as vicissitudes) associado ao
Superego, o que implica da nossa parte, no cuidado em estabelecer as expressões
de um e de outro, como também, com o mesmo empenho, estabelecer regras compatíveis para a expressão do Id.