INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

A consciência pode conhecer tudo?


Texto de Marilena Chauí

Freud escreveu que, no transcorrer da modernidade, os humanos foram feridos três vezes e que as feridas atingiram o nosso narcisismo*, isto é, a bela imagem que possuíamos de nós mesmos como seres conscientes racionais e com a qual, durante séculos, estivemos encantados.  Que feridas foram essas?
A primeira foi a que nos infligiu Copérnico, ao provar que a Terra não estava no centro do  Universo e que os homens não eram o centro do mundo.  A segunda foi causada por Darwin, ao provar que os homens descendem de um primata, que são apenas um elo na evolução das espécies e não seres especiais, criados por Deus para dominar a Natureza.  A terceira foi causada por Freud com a psicanálise, ao mostrar que a consciência é a menor parte e a mais fraca de nossa vida psíquica.
Na obra Cinco ensaios sobre a psicanálise, Freud escreve:
 A Psicanálise propõe mostrar que o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida psíquica... A divisão do psíquico num psíquico consciente e num psíquico inconsciente constitui a premissa fundamental da psicanálise, sem a qual ela seria incapaz de compreender os processos patológicos, tão freqüentes quanto graves, da vida psíquica e fazê-los entrar no quadro da ciência... A psicanálise se recusa a considerar a consciência como constituindo a essência da vida psíquica, mas nela vê apenas uma qualidade desta, podendo coexistir com outras qualidades e até mesmo faltar.

A psicanálise

 Freud era médico psiquiatra.  Seguindo os médicos de sua época, usava a hipnose e a sugestão no tratamento dos doentes mentais, mas sentia-se insatisfeito com os resultados obtidos.
 Certa vez, recebeu uma paciente, Ana O., que apresentava sintomas de histeria, isto é, apresentava distúrbios físicos (paralisias, enxaquecas, dores de estômago) sem que houvesse causas físicas para eles, pois eram manifestações corporais de problemas psíquicos
Em lugar de usar a hipnose e a sugestão, Freud usou um procedimento novo: fazia com que Anna relaxasse num divã e falasse.
Dizia a ela palavras soltas e pedia-lhe que dissesse a primeira palavra que lhe viesse à cabeça ao ouvir a que ele dissera - posteriormente, Freud denominaria esse procedimento de "técnica de associação livre".
Freud percebeu que, em certos momentos, Anna reagia a certas palavras e não pronunciava aquela que lhe viera à cabeça, censurando-a por algum motivo ignorado por ela e por ele.
Notou também que, em outras ocasiões, depois de fazer a associação livre de palavras, Anna ficava muito agitada e falava muito. Observou que, certas vezes, algumas palavras a faziam chorar sem motivo aparente e, outras vezes, a faziam lembrar-se de fatos da infância, narrar um sonho que tivera na noite anterior.
Pela conversa, pelas reações da paciente, pelos sonhos narrados e pelas lembranças infantis, Freud descobriu que a vida consciente de Anna era determinada por uma vida inconsciente, que tanto ela quanto ele desconheciam. Compreendeu também que somente interpretando as palavras, os sonhos, as lembranças e os gestos de Anna chegaria a essa vida inconsciente.
 Freud descobriu, finalmente, que os sintomas histéricos tinham três finalidades:
    1.contar indiretamente aos outros e a si mesma os sentimentos inconscientes;
2.punir-se por ter tais sentimentos;
3.realizar, pela doença e pelo sofrimento, um desejo inconsciente intolerável.
 Tratando de outros pacientes, Freud descobriu que, embora conscientemente quisessem a cura, algo neles criava uma barreira, uma resistência inconsciente à cura.
Por quê?  Porque os pacientes sentiam-se interiormente ameaçados por alguma coisa dolorosa e temida, algo que haviam penosamente esquecido e que não suportavam lembrar. Freud descobriu, assim, que o esquecimento consciente operava simultaneamente de duas maneiras:
      1. como resistência à terapia;
 2. sob a forma da doença psíquica, pois o inconsciente não esquece e obriga o esquecido a reaparecer sob a forma dos sintomas da neurose e da psicose.
 Desenvolvendo com outros pacientes e consigo mesmo esses procedimentos e novas técnicas de interpretação de sintomas, sonhos, lembranças, esquecimentos, Freud foi criando o que chamou de análise da vida psíquica ou psicanálise, cujo objeto central era o estudo do inconsciente e cuja finalidade era a cura de neuroses e psicoses, tendo como método a interpretação e como instrumento a linguagem (tanto a linguagem verbal das palavras quanto a linguagem corporal dos sintomas e dos gestos).