A trajetória neurológica de Freud lançou os alicerces
sobre os quais
ele pôde erguer o edifício da Psicanálise.Esta obra contém, além
dos brilhantes textos, o extraordinário mérito de reunir a coleção de
aproximadamente oitenta esboços de Freud, entre manuscritos, desenhos e
diagramas da mente cujos originais se encontram distribuídos, em sua maioria,
nos acervos do Museu Freud, em Londres, e da Biblioteca do Congresso, em Washington. Antes
da invenção da psicanálise, da cura pela palavra, o olhar de Freud esteve por
muito tempo absorvido por imagens de estruturas do sistema nervoso que o
mantinham ao microscópio durante horas. Essas imagens nutriam a imaginação do
jovem cientista no esforço intelectual continuado junto ao admirado mestre,
Ernest Brücke, para encontrar a lógica e os modelos que dessem conta de seu
funcionamento. O estudante Freud, o jovem Freud, foi um neurocientista do
século XIX. Este livro dá o testemunho disso, reunindo desenhos, esquemas,
garatujas científicas, resultado do trabalho intelectual intenso em busca de um
entendimento plausível para o aparelho nervoso. A transição da
"máquina" neural para o aparelho da alma, o aparelho psíquico, quando
já não mais trabalha ao microscópio, mas com pacientes neuróticos, carrega com
ela estas imagens e modelos. A transmutação de um em outro, nas mãos do
meticuloso observador, tem em seu cerne um inesperado peso reencontrado nas
palavras, primeiro por seu poder na hipnose, a seu ver, o mesmo das curas
milagrosas nas religiões e ritos, poder explorado desde sempre pelas culturas
humanas; depois, ao avançar, criando o novo método de tratamento e, com ele,
descobrindo a transferência e seu contraponto, a resistência, consegue cercar
com mais precisão esse poder, tornando-o manejável e penetrando em seus
meandros. Com a mesma linguagem gráfica, ou seja, com as mesmas categorias
figurativas, cria, então, o modelo em que condensa as hipóteses fundamentais da
Psicanálise, no escrito só publicado meio século mais tarde, após a morte do
autor. Trata-se do Projeto para uma psicologia científica, texto hoje tão
estudado e que, já numa linguagem mais abstrata, foi apresentado poucos anos
depois como um aparelho ? comparado a um microscópio e às imagens virtuais que
nele se formam ? para dar conta das características do trabalho que os sonhos
produzem agindo sobre falas e representações recentes, entremeadas das mais
longínquas e anódinas, como matéria em que toma forma, em que advém, o desejo
inconsciente. Aparelho de sonhar, também aparelho dos processos em jogo no
desenrolar da atividade psicanalítica..
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