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Peço aos leitores ser for do seu interesse envie o pedido para -
e-mail - castilhoss28@hotmail.com - e será lhe enviado como anexo o referido texto.
Castilho Sanhudo
Vários dos colaboradores
desta série de ‘Estudos Autobiográficos’ começaram expressando suas apreensões
pelas dificuldades inusitadas da tarefa que empreenderam. As dificuldades no
meu caso são, assim penso, ainda maiores pois mais de uma vez publiquei artigos
nos mesmos moldes que o presente, artigos que pela natureza do assunto têm
tratado mais de considerações pessoais do que é habitual ou do que de outra
forma teria sido necessário.
Apresentei meu primeiro relato
do desenvolvimento e do tema da psicanálise em cinco lições que
pronunciei em 1909 na Clark University, em Worcester, Mass., para onde fora
convidado a fim de assistir às comemorações do vigésimo aniversário de fundação
daquela entidade. Só recentemente cedi à tentação de prestar uma contribuição
de natureza semelhante a uma publicação coletiva norte-americana que aborda os
primeiros anos do século XX, visto que seus editores haviam demonstrado seu
reconhecimento quanto à importância da psicanálise, dedicando-lhe um capítulo
especial. Entre essas duas datas surgiu um artigo, ‘A História do Movimento
Psicanalítico’ [1914d], que, de fato, encerra a essência de tudo que posso
dizer sobre a presente ocasião. Visto que não devo contradizer-me e como não
tenho nenhum desejo de repetir a mim mesmo exatamente, devo esforçar-me por
construir uma narrativa na qual atitudes subjetivas e objetivas, interesses
biográficos e históricos, se combinem em uma nova proporção.
Nasci a 6 de maio de 1856,
em Freiberg, na Morávia, pequena cidade situada onde agora é a Tchecoslováquia.
Meus pais eram judeus e eu próprio continuei judeu. Tenho razões para crer que
a família de meu pai residiu por muito tempo no Reno (em Colônia), que ela,
como resultado de uma perseguição aos judeus durante o século XIV ou XV, fugiu
para o leste, e que, no curso do século XIX, migrou de volta da Lituânia,
passando pela Galícia, até a Áustria alemã. Quando eu era uma criança de quatro
anos fui para Viena e ali recebi toda minha educação. No ‘Gymnasium’
[escola secundária] fui o primeiro de minha turma durante sete anos e
desfrutava ali de privilégios especiais, e quase nunca tive de ser examinado em aula. Embora
vivêssemos em circunstâncias muito limitadas, meu pai insistiu que, na minha
escolha de uma profissão, devia seguir somente minhas próprias inclinações. Nem
naquela época, nem mesmo depois, senti qualquer predileção particular pela carreira
de médico Fui, antes, levado por uma espécie de curiosidade, que era,
contudo, dirigida mais para as preocupações humanas do que para os objetivos
naturais; eu nem tinha apreendido a importância da observação como um dos
melhores meios de gratificá-la. Meu profundo interesse pela história da
Bíblia (quase logo depois de ter aprendido a arte da leitura) teve,
conforme reconheci muito mais tarde, efeito duradouro sobre a orientação do meu
interesse.Sob a influência de uma amizade formada na escola com um menino mais
velho que eu, e que veio a ser conhecido político, desenvolvi, como ele, o
desejo de estudar direito e de dedicar-me a atividade sociais. Ao mesmo tempo,
as teorias de Darwin, que eram então de interesse atual, atraíram-me
fortemente, pois ofereciam esperanças de extraordinário progresso em nossa
compreensão do mundo; e foi ouvindo o belo ensaio de Goethe sobre a Natureza,
lido em voz alta numa conferência popular pelo professor Carl Brühlpouco
antes de eu ter deixado a escola, que resolvi tornar-me estudante de medicina.
Quando em 1873, ingressei
na universidade, experimentei desapontamentos consideráveis. Antes de tudo,
verifiquei que se esperava que eu me sentisse inferior e estranho porque era
judeu. Recusei-me de maneira absoluta a fazer a primeira dessas coisas. Jamais
fui capaz de compreender por que devo sentir-me envergonhado da minha ascendência
ou, como as pessoas começavam a dizer, da minha ‘raça’. Suportei, sem grande
pesar, minha não aceitação na comunidade, pois parecia-me que apesar dessa
exclusão, um dinâmico companheiro de trabalho não poderia deixar de encontrar
algum recanto no meio da humanidade. Essas primeiras impressões na
universidade, contudo, tiveram uma conseqüência que depois viria a ser
importante, porquanto numa idade prematura familiarizei-me com o destino de
estar na Oposição e de ser posto sob o anátema da ‘maioria compacta’.Estavam
assim lançados os fundamentos para um certo grau de independência de
julgamento.
Fui compelido, além disso,
durante meus primeiros anos de universidade, a fazer a descoberta de que as
peculiaridades e limitações de meus dons me negavam todo sucesso em muitos dos
campos da ciência nos quais minha jovem ansiedade me fizera mergulhar. Assim
aprendi a verdade da advertência de Mefistófeles:
Vergebens, dass ihr
ringsum wissenschaftlich schweift,Ein jeder lernt nur, was er lernen kann.
Por fim, no laboratório de
fisiologia de Ernst Brücke encontrei tranqüilidade e satisfação plena —
e também homens que pude respeitar e tomar como meus modelos: o próprio grande
Brücke e seus assistentes, Sigmund Exner e Ernst Fleischl von Marxow.
Com o segundo, um homem brilhante, tive o privilégio de manter relações de
amizade.Brücker confiou-me um problema para solucionar na histologia do
sistema nervoso; consegui resolvê-lo para sua satisfação e levar o trabalho
mais adiante por conta própria. Trabalhei nesse instituto, com breves
interrupções, de 1876 a
1882, e geralmente se julgava que eu estava destinado a preencher a vaga de
professor assistente que viesse a ocorrer ali.Os vários ramos da medicina
propriamente dita, afora a psiquiatria, não exerciam qualquer atração sobre
mim. Eu era realmente negligente em meus estudos médicos e somente em 1881, um
tanto tardiamente, recebi o grau de doutor em medicina.
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