Parte
II
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo
Os progressos na nossa terapia, portanto, sem dúvida
prosseguirão ao longo de outras linhas; antes de mais nada, ao longo daquela
que Ferenczi, em seu artigo ‘Technical Difficulties in an Analysis of
Hysteria’ (1919), denominou recentemente ‘atividade’ por parte do analista.
Que se chegue imediatamente a um acordo sobre aquilo
que queremos dizer com essa atividade. Já definimos a nossa tarefa terapêutica
como algo que consiste em duas coisas: tornar consciente o material reprimido e
descobrir as resistências. Nisso, somos ativos o bastante, não há dúvida. Mas
devemos deixar que o paciente lide sozinho com as resistências que lhe
assinalamos? Não podemos dar-lhe outro auxílio, além do estímulo que ele obtém
da transferência? Não parece natural que o devamos ajudar também de outra
maneira, colocando-o na situação mental mais favorável à solução do conflito
que temos em vista? Afinal de contas, o que ele pode conseguir, depende,
também, de uma combinação de circunstâncias externas. Devemos hesitar em
alterar essa combinação, intervindo de maneira adequada? Acho que uma atividade
dessa natureza, por parte do médico que analisa, é irrepreensível e
inteiramente justificada.
Observem que isso abre um novo campo de técnica
analítica, cujo desenvolvimento exigirá cuidadosa aplicação, e que levará a
regras de procedimento bem definidas. Não tentarei apresentar-lhes hoje essa
nova técnica, que ainda está em curso de evolução, mas contentar-me-ei em
enunciar um princípio fundamental que provavelmente irá dominar o nosso
trabalho nesse campo. É o que se segue: o tratamento analítico deve ser efetuado,
na medida do possível, sob privação — num estado de abstinência.
Na medida do possível, a demonstração de que estou
certo nesse ponto deve ser deixada para uma exposição mais detalhada. Por
abstinência, no entanto, não se deve entender que seja agir sem qualquer
satisfação — o que seria certamente impraticável; nem queremos dizer o que o
termo popularmente conota, isto é, abster-se da relação sexual; significa algo
diferente, que tem muito mais conexão com a dinâmica da doença e da
recuperação.
Lembrar-se-ão os senhores de que foi uma frustração
que tornou o paciente doente, e que seus sintomas servem-lhe de satisfações
substitutivas. É possível observar, durante o tratamento, que cada
melhora em sua condição reduz o grau em que se recupera e diminui a força
instintual que o impele para a recuperação. Mas essa força instintual é
indispensável; a redução dela coloca em perigo a nossa finalidade — a
restauração da saúde do paciente. Qual, então, é a conclusão que se nos impõe
inevitavelmente? Cruel como possa parecer, devemos cuidar para que o sofrimento
do paciente, em um grau de um modo ou de outro efetivo, não acabe
prematuramente. Se, devido ao fato de que os sintomas foram afastados e
perderam o seu valor, seu sofrimento se atenua, devemos restabelecê-lo alhures,
sob a forma de alguma privação apreciável; de outro modo, corremos o perigo de
jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias.
Até onde eu possa verificar, o perigo ameaça a
partir de duas direções, principalmente. Por um lado, quando a doença foi
dominada pela análise, o paciente faz os mais assíduos esforços para criar para
si, em lugar dos seus sintomas, novas satisfações substitutivas, que então
carecem do aspecto de sofrimento. Faz uso da enorme capacidade de deslocamento
possuída pela libido, então parcialmente liberada, com a finalidade de
catexizar com a libido e promover à posição de satisfações substitutivas as
mais diversas espécies de atividades, preferências e hábitos, sem excluir
aqueles que já haviam sido seus. Encontra continuamente novas distrações dessa
natureza, para as quais escapa a energia necessária para prosseguir o
tratamento, e ele sabe como mantê-las secretas por algum tempo. É tarefa do
analista detectar esses caminhos divergentes e exigir-lhe, toda vez, que os
abandone, por mais inofensiva que possa ser, em si, a atividade que conduz à
satisfação. O paciente meio recuperado pode também ingressar em caminhos menos
inofensivos — tal como, por exemplo, se é um homem, quando procura ligar-se
prematuramente a uma mulher. Pode-se observar, aliás, que o casamento infeliz e
a doença física são as duas coisas que com mais freqüência tomam o lugar de uma
neurose. Satisfazem particularmente o sentimento de culpa (necessidade de
punição), que faz com que muitos pacientes se apeguem tão rapidamente às suas
neuroses. Por uma escolha imprudente no casamento, castigam-se a si próprios;
consideram uma longa doença orgânica como uma punição do destino e,
conseqüentemente, muitas vezes deixam de manter as suas neuroses.
Em todas as situações como estas, a atividade por
parte do médico deve assumir a forma de enérgica oposição a satisfações
substitutivas prematuras. É-lhe mais fácil, contudo, evitar o segundo perigo
a que se expõe a força propulsora da análise, muito embora este não deva ser
subestimado. O paciente procura as suas satisfações substitutivas sobretudo no
próprio tratamento, em seu relacionamento transferencial com o médico; e pode
até mesmo tentar compensar-se, por esse meio, de todas as outras privações que
lhe foram impostas. Algumas concessões devem, certamente, ser-lhe feitas, em
maior ou menor medida, de acordo com a natureza do caso e com a individualidade
do paciente. Contudo, não é bom deixar que se tornem excessivas.
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