INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Regra Fundamental da Psicanálise


Parte II
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo

Os progressos na nossa terapia, portanto, sem dúvida prosseguirão ao longo de outras linhas; antes de mais nada, ao longo daquela que Ferenczi, em seu artigo ‘Technical Difficulties in an Analysis of Hysteria’ (1919), denominou recentemente ‘atividade’ por parte do analista.
Que se chegue imediatamente a um acordo sobre aquilo que queremos dizer com essa atividade. Já definimos a nossa tarefa terapêutica como algo que consiste em duas coisas: tornar consciente o material reprimido e descobrir as resistências. Nisso, somos ativos o bastante, não há dúvida. Mas devemos deixar que o paciente lide sozinho com as resistências que lhe assinalamos? Não podemos dar-lhe outro auxílio, além do estímulo que ele obtém da transferência? Não parece natural que o devamos ajudar também de outra maneira, colocando-o na situação mental mais favorável à solução do conflito que temos em vista? Afinal de contas, o que ele pode conseguir, depende, também, de uma combinação de circunstâncias externas. Devemos hesitar em alterar essa combinação, intervindo de maneira adequada? Acho que uma atividade dessa natureza, por parte do médico que analisa, é irrepreensível e inteiramente justificada.
Observem que isso abre um novo campo de técnica analítica, cujo desenvolvimento exigirá cuidadosa aplicação, e que levará a regras de procedimento bem definidas. Não tentarei apresentar-lhes hoje essa nova técnica, que ainda está em curso de evolução, mas contentar-me-ei em enunciar um princípio fundamental que provavelmente irá dominar o nosso trabalho nesse campo. É o que se segue: o tratamento analítico deve ser efetuado, na medida do possível, sob privação — num estado de abstinência.
Na medida do possível, a demonstração de que estou certo nesse ponto deve ser deixada para uma exposição mais detalhada. Por abstinência, no entanto, não se deve entender que seja agir sem qualquer satisfação — o que seria certamente impraticável; nem queremos dizer o que o termo popularmente conota, isto é, abster-se da relação sexual; significa algo diferente, que tem muito mais conexão com a dinâmica da doença e da recuperação.
Lembrar-se-ão os senhores de que foi uma frustração que tornou o paciente doente, e que seus sintomas servem-lhe de satisfações substitutivas. É possível observar, durante o tratamento, que cada melhora em sua condição reduz o grau em que se recupera e diminui a força instintual que o impele para a recuperação. Mas essa força instintual é indispensável; a redução dela coloca em perigo a nossa finalidade — a restauração da saúde do paciente. Qual, então, é a conclusão que se nos impõe inevitavelmente? Cruel como possa parecer, devemos cuidar para que o sofrimento do paciente, em um grau de um modo ou de outro efetivo, não acabe prematuramente. Se, devido ao fato de que os sintomas foram afastados e perderam o seu valor, seu sofrimento se atenua, devemos restabelecê-lo alhures, sob a forma de alguma privação apreciável; de outro modo, corremos o perigo de jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias.
Até onde eu possa verificar, o perigo ameaça a partir de duas direções, principalmente. Por um lado, quando a doença foi dominada pela análise, o paciente faz os mais assíduos esforços para criar para si, em lugar dos seus sintomas, novas satisfações substitutivas, que então carecem do aspecto de sofrimento. Faz uso da enorme capacidade de deslocamento possuída pela libido, então parcialmente liberada, com a finalidade de catexizar com a libido e promover à posição de satisfações substitutivas as mais diversas espécies de atividades, preferências e hábitos, sem excluir aqueles que já haviam sido seus. Encontra continuamente novas distrações dessa natureza, para as quais escapa a energia necessária para prosseguir o tratamento, e ele sabe como mantê-las secretas por algum tempo. É tarefa do analista detectar esses caminhos divergentes e exigir-lhe, toda vez, que os abandone, por mais inofensiva que possa ser, em si, a atividade que conduz à satisfação. O paciente meio recuperado pode também ingressar em caminhos menos inofensivos — tal como, por exemplo, se é um homem, quando procura ligar-se prematuramente a uma mulher. Pode-se observar, aliás, que o casamento infeliz e a doença física são as duas coisas que com mais freqüência tomam o lugar de uma neurose. Satisfazem particularmente o sentimento de culpa (necessidade de punição), que faz com que muitos pacientes se apeguem tão rapidamente às suas neuroses. Por uma escolha imprudente no casamento, castigam-se a si próprios; consideram uma longa doença orgânica como uma punição do destino e, conseqüentemente, muitas vezes deixam de manter as suas neuroses.
Em todas as situações como estas, a atividade por parte do médico deve assumir a forma de enérgica oposição a satisfações substitutivas prematuras. É-lhe mais fácil, contudo, evitar o segundo perigo a que se expõe a força propulsora da análise, muito embora este não deva ser subestimado. O paciente procura as suas satisfações substitutivas sobretudo no próprio tratamento, em seu relacionamento transferencial com o médico; e pode até mesmo tentar compensar-se, por esse meio, de todas as outras privações que lhe foram impostas. Algumas concessões devem, certamente, ser-lhe feitas, em maior ou menor medida, de acordo com a natureza do caso e com a individualidade do paciente. Contudo, não é bom deixar que se tornem excessivas. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário