INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Regra Fundamental da Psicanálise


Parte I
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo
SENHORES:

Como sabem, nunca nos vangloriamos da inteireza e do acabamento definitivo de nosso conhecimento e de nossa capacidade. Estamos tão prontos agora, como o estávamos antes, a admitir as imperfeições da nossa compreensão, a aprender novas coisas e a alterar os nossos métodos de qualquer forma que os possa melhorar.
Agora que nos reunimos uma vez mais, após os longos e difíceis anos que atravessamos, sinto-me impelido a rever a posição do nosso procedimento terapêutico — ao qual na verdade, devemos o nosso lugar na sociedade humana — e a assumir uma visão geral das novas direções em que se pode desenvolver.
Assim formulamos a nossa incumbência como médicos: dar ao paciente conhecimento do inconsciente, dos impulsos reprimidos que nele existem, e, para essa finalidade, revelar as resistências que se opõem a essa extensão do seu conhecimento sobre si mesmo A revelação dessas resistências garante que serão também superadas? Certamente nem sempre; mas a nossa esperança é atingir isso explorando a transferência do paciente para a pessoa do médico, de modo a induzi-lo a adotar a nossa convicção quanto à inconveniência do processo repressivo estabelecido na infância e quanto à impossibilidade de conduzir a vida sobre o princípio de prazer. Estabeleci, em outro trabalho, as condições dinâmicas prevalecentes no novo conflito através do qual conduzimos o paciente e que substitui, nele, o seu conflito anterior — o da sua doença. Nesse aspecto, nada tenho a modificar no momento.
Chamamos de psicanálise o processo pelo qual trazemos o material mental reprimido para a consciência do paciente. Por que ‘análise’ — que significa dividir ou separar, e sugere uma analogia com o trabalho, levado a efeito pelos químicos, com substâncias que encontram na natureza e trazem para os seus laboratórios? Porque, em um importante aspecto, existe realmente uma analogia entre os dois trabalhos. Os sintomas e as manifestações patológicas do paciente, como todas as suas atividades mentais, são de natureza altamente complexa; os elementos desse composto são, no fundo,motivos, impulsos instintuais. O paciente, contudo, nada sabe a respeito desses motivos elementares, ou não os conhece com intimidade suficiente. Ensinamo-lo a compreender a maneira pela qual essas formações mentais altamente complicadas são compostas; remetemos os sintomas aos impulsos instintuais que os motivaram; assinalamos ao paciente esses motivos instintuais, que estão presentes em seus sintomas, e dos quais até então não tinha consciência — como o químico que isola a substância fundamental, o ‘elemento’ químico, do sal em que ele se combinara com outros elementos e no qual era irreconhecível. Da mesma forma, no que diz respeito àquelas manifestações mentais do paciente que não são consideradas patológicas, mostramos-lhe que apenas em certa medida ele estava consciente da sua motivação — que outros impulsos instintuais, dos quais permanecera em ignorância, haviam cooperado na causação dessas manifestações.
Mais uma vez, esclarecemos os impulsos sexuais no homem ao dividi-los em seus elementos componentes; e, quando interpretamos um sonho, ignoramos o sonho como um todo e derivamos associações dos seus elementos em separado.
Essa bem fundamentada comparação da atividade médica psicanalítica com um procedimento químico poderia sugerir à nossa terapia uma nova direção. Analisamos o paciente — isto é, dividimos os processos mentais em seus componentes elementares e demonstramos esses elementos instintuais nele, isoladamente; o que seria mais natural do que esperar que também o ajudemos a fazer uma nova e melhor combinação deles? Os senhores sabem que essa exigência tem sido realmente proposta. Disseram-nos que, após a análise de uma mente enferma, deve-se seguir uma síntese. E, relacionada com isso, tem-se expressado a preocupação de que o paciente recebe análise demais e muito pouca síntese; e segue-se então um movimento para colocar todo o peso nessa síntese, como o principal fator no efeito psicoterapêutico, para, nela, ver-se uma espécie de restauração de algo que foi destruído — destruído, por assim dizer, pela vivissecção.
Senhores, contudo não posso achar que essa psicossíntese nos estabelece qualquer nova tarefa. Se me permitisse ser franco e rude, diria que se trata apenas de uma frase vazia. Limitar-me-ei a observar que se trata simplesmente de forçar tanto uma comparação, que ela deixa de ter qualquer sentido; ou, se preferirem, que é uma exploração injustificável de um nome. Um nome, no entanto, é apenas um rótulo aplicado para distinguir uma coisa de outras coisas semelhantes, não um sílabo, uma descrição de seu conteúdo ou uma definição. E os dois objetos comparados precisam apenas coincidir num único ponto, podendo ser inteiramente diferentes um do outro em tudo o mais.
Aquilo que é psíquico, é tão único e singular, que nenhuma comparação pode refletir a sua natureza. O trabalho da psicanálise sugere analogia com a análise química, mas o sugere também, na mesma medida, com a intervenção de um cirurgião, ou com as manipulações de um ortopedista, ou com a influência de um educador. A comparação com a análise química tem a sua limitação: porque, na vida mental, temos de lidar com tendências que estão sob uma compulsão para a unificação e a combinação. Sempre que conseguimos analisar um sintoma em seus elementos, liberar um impulso instintual de um vínculo, esse impulso não permanece em isolamento, mas entra imediatamente numa nova ligação.
Para dizer a verdade, o paciente neurótico, com efeito, apresenta-se-nos com a mente dilacerada, dividida por resistências. À medida que a analisamos e eliminamos as resistências, ela se unifica; a grande unidade a que chamamos ego, ajusta-se a todos os impulsos instintuais que haviam sido expelidos (split off) e separados dele. A psicossíntese é, desse modo, atingida durante o tratamento analítico sem a nossa intervenção, automática e inevitavelmente. Criamos as condições para que isso aconteça, fragmentando os sintomas em seus elementos e removendo as resistências. Não é verdade que algo no paciente tenha sido dividido em seus componentes e aguarde, então, tranqüilamente, que de alguma forma o unifiquemos outra vez.


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