Parte
I
Volume XIX – Obras Completas de Freud
Org. Castilho Sanhudo
SENHORES:
Como sabem, nunca nos vangloriamos da inteireza e do
acabamento definitivo de nosso conhecimento e de nossa capacidade. Estamos tão
prontos agora, como o estávamos antes, a admitir as imperfeições da nossa
compreensão, a aprender novas coisas e a alterar os nossos métodos de qualquer
forma que os possa melhorar.
Agora que nos reunimos uma vez mais, após os longos
e difíceis anos que atravessamos, sinto-me impelido a rever a posição do nosso
procedimento terapêutico — ao qual na verdade, devemos o nosso lugar na
sociedade humana — e a assumir uma visão geral das novas direções em que se
pode desenvolver.
Assim formulamos a nossa incumbência como médicos:
dar ao paciente conhecimento do inconsciente, dos impulsos reprimidos que nele
existem, e, para essa finalidade, revelar as resistências que se opõem a essa
extensão do seu conhecimento sobre si mesmo A revelação dessas resistências
garante que serão também superadas? Certamente nem sempre; mas a nossa
esperança é atingir isso explorando a transferência do paciente para a pessoa
do médico, de modo a induzi-lo a adotar a nossa convicção quanto à
inconveniência do processo repressivo estabelecido na infância e quanto à
impossibilidade de conduzir a vida sobre o princípio de prazer. Estabeleci, em
outro trabalho, as condições dinâmicas prevalecentes no novo conflito
através do qual conduzimos o paciente e que substitui, nele, o seu conflito
anterior — o da sua doença. Nesse aspecto, nada tenho a modificar no momento.
Chamamos de psicanálise o processo pelo qual
trazemos o material mental reprimido para a consciência do paciente. Por que
‘análise’ — que significa dividir ou separar, e sugere uma analogia com o trabalho,
levado a efeito pelos químicos, com substâncias que encontram na natureza e
trazem para os seus laboratórios? Porque, em um importante aspecto, existe
realmente uma analogia entre os dois trabalhos. Os sintomas e as manifestações
patológicas do paciente, como todas as suas atividades mentais, são de natureza
altamente complexa; os elementos desse composto são, no fundo,motivos, impulsos
instintuais. O paciente, contudo, nada sabe a respeito desses motivos
elementares, ou não os conhece com intimidade suficiente. Ensinamo-lo a
compreender a maneira pela qual essas formações mentais altamente complicadas
são compostas; remetemos os sintomas aos impulsos instintuais que os motivaram;
assinalamos ao paciente esses motivos instintuais, que estão presentes em seus
sintomas, e dos quais até então não tinha consciência — como o químico que
isola a substância fundamental, o ‘elemento’ químico, do sal em que ele se
combinara com outros elementos e no qual era irreconhecível. Da mesma forma, no
que diz respeito àquelas manifestações mentais do paciente que não são
consideradas patológicas, mostramos-lhe que apenas em certa medida ele estava
consciente da sua motivação — que outros impulsos instintuais, dos quais
permanecera em ignorância, haviam cooperado na causação dessas manifestações.
Mais uma vez, esclarecemos os impulsos sexuais no
homem ao dividi-los em seus elementos componentes; e, quando interpretamos um
sonho, ignoramos o sonho como um todo e derivamos associações dos seus
elementos em separado.
Essa bem fundamentada comparação da atividade médica
psicanalítica com um procedimento químico poderia sugerir à nossa terapia uma
nova direção. Analisamos o paciente — isto é, dividimos os processos
mentais em seus componentes elementares e demonstramos esses elementos
instintuais nele, isoladamente; o que seria mais natural do que esperar que
também o ajudemos a fazer uma nova e melhor combinação deles? Os senhores sabem
que essa exigência tem sido realmente proposta. Disseram-nos que, após a
análise de uma mente enferma, deve-se seguir uma síntese. E, relacionada com
isso, tem-se expressado a preocupação de que o paciente recebe análise demais e
muito pouca síntese; e segue-se então um movimento para colocar todo o peso
nessa síntese, como o principal fator no efeito psicoterapêutico, para, nela,
ver-se uma espécie de restauração de algo que foi destruído — destruído, por
assim dizer, pela vivissecção.
Senhores, contudo não posso achar que essa
psicossíntese nos estabelece qualquer nova tarefa. Se me permitisse ser franco
e rude, diria que se trata apenas de uma frase vazia. Limitar-me-ei a observar
que se trata simplesmente de forçar tanto uma comparação, que ela deixa de ter
qualquer sentido; ou, se preferirem, que é uma exploração injustificável de um
nome. Um nome, no entanto, é apenas um rótulo aplicado para distinguir uma
coisa de outras coisas semelhantes, não um sílabo, uma descrição de seu
conteúdo ou uma definição. E os dois objetos comparados precisam apenas
coincidir num único ponto, podendo ser inteiramente diferentes um do outro em
tudo o mais.
Aquilo que é psíquico, é tão único e singular, que
nenhuma comparação pode refletir a sua natureza. O trabalho da psicanálise
sugere analogia com a análise química, mas o sugere também, na mesma medida,
com a intervenção de um cirurgião, ou com as manipulações de um ortopedista, ou
com a influência de um educador. A comparação com a análise química tem a sua
limitação: porque, na vida mental, temos de lidar com tendências que estão sob
uma compulsão para a unificação e a combinação. Sempre que conseguimos analisar
um sintoma em seus elementos, liberar um impulso instintual de um vínculo, esse
impulso não permanece em isolamento, mas entra imediatamente numa nova ligação.
Para dizer a verdade, o paciente neurótico, com
efeito, apresenta-se-nos com a mente dilacerada, dividida por resistências. À
medida que a analisamos e eliminamos as resistências, ela se unifica; a grande
unidade a que chamamos ego, ajusta-se a todos os impulsos instintuais que
haviam sido expelidos (split off) e separados dele. A
psicossíntese é, desse modo, atingida durante o tratamento analítico sem a
nossa intervenção, automática e inevitavelmente. Criamos as condições para que
isso aconteça, fragmentando os sintomas em seus elementos e removendo as
resistências. Não é verdade que algo no paciente tenha sido dividido em seus
componentes e aguarde, então, tranqüilamente, que de alguma forma o unifiquemos
outra vez.
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