De Freud para Martha
Você pertence a mim
Domingo à noite,
22 de outubro de 1882
Minha doce Marthinha,
De verdade, minha doce menina: cada linha de sua carta renova em mim o orgulho de ter conquistado você, de poder servir por você. E se existe algo que é capaz de romper este orgulho, isso é a consciência que existe em mim há tanto tempo – você sabe desde quando – de que eu nunca conseguiria perder você, e que é reforçada pela sua carta. Já fui tão rico que é difícil que venha a me tornar ainda mais rico, mas há coisas que eu nunca vou me cansar de ouvir de você.
Pelo
menos pude rever você, sentir o aperto de sua querida mão e, portanto,
desconsidero o pequeno desconforto pelo qual tive que passar para poder
alcançar isso.
Sua
carta está à minha frente e eu penso como parecem graciosas até mesmo as
contradições que há em você, quão belos são os temas, até mesmo onde mais
discordamos, e como as nobres palavras de Antígona de Sófocles parecem ter sido
pronunciadas inteiramente para você: “É para amar com você, e não para odiar
com você, que eu estou aqui”.
Contudo,
admita que estou querendo escapar de nossas discussões com algumas palavras
cordiais e que, justamente por me sentir tão seguro de você, aponto com total
sinceridade para a nossa situação e para as diferenças entre nossas opiniões.
E
se, ao fazer assim, eu estou agindo, como de hábito, sem consideração, pelo
menos você sabe de tudo o que penso – até mesmo do pior. Você, no entanto, por
causa de um impulso protetor, do qual eu não preciso, costuma encobrir os seus
pensamentos mais íntimos.
Por
isso, fique sabendo que eu penso que, de verdade, você não me ama mais do que
eu amo você. Se eu imagino minha vida atual sem você, tudo desaba, por falta de
sustentação e de interesse.
Você é a meta à qual eu me dirijo, o ponto de convergência de todos os meus desejos, por você eu transformei alguém que até então me era estranho em meu amigo mais próximo e mais íntimo, por você me dispus a dedicar a uma mulher que não é minha mãe as honras devidas por um filho, a amar uma menina que não é nem minha irmã antes que minhas próprias irmãs.
Você é a meta à qual eu me dirijo, o ponto de convergência de todos os meus desejos, por você eu transformei alguém que até então me era estranho em meu amigo mais próximo e mais íntimo, por você me dispus a dedicar a uma mulher que não é minha mãe as honras devidas por um filho, a amar uma menina que não é nem minha irmã antes que minhas próprias irmãs.
Gata borralheira
Você
sabe que nem tudo deu certo. Somente conquistei o amigo. A mãe e a irmã
permaneceram como estranhas para mim, mas por você eu continuo a esperar e a
amar. Dissolvi todos os laços mais íntimos que queriam significar para mim
tanto quanto você.
Você
certamente também me ama, como uma menina querida como você é capaz de amar,
mas você permaneceu uma Bernays. Minha família e meus amigos não significam
nada para você, um humor de Eli é tão importante para você quanto um desejo
sentido meu, você não se aproximou de minhas irmãs, nem as ama, embora eu ache
que elas mereçam e saiba que elas se alegraram tão profundamente com você.
Quando
expresso algum julgamento severo sobre alguns dos seus familiares, você não se
aborrece porque estou cometendo uma injustiça – você não é capaz de me
desmentir – mas sim porque estou falando de algum dos seus. Eu sei bem
que há coisas que não posso e nem tenho como tirar de você, coisas que
você considera tanto quanto a mim mesmo, e das quais você se orgulha, como você
mesma diz.
Não
tenho como imitar você e apenas espero que chegue um dia no qual eu não precise
dizer que entreguei os meus, que eu consideraria mais do que os seus, sem
vingança. No momento, apensas posso reconhecer a minha insatisfação, mas agora
não se trata disso.
Eu
não disse que você era a Gata Borralheira em sua casa, eu só exigi que
você não se deixasse tratar como uma criança sem vontade, e você não tem como
negar que é tratada assim. Você é a escrava doméstica de Eli e estremece diante
de uma simples piscadela dele. Daí vem o grande amor que ele tem por você, e
isso é totalmente indigno.
Tenho
a sorte de conhecer seu ser verdadeiro, um ser humano com inteligência e
vontade. Demim você não acata nada.
Só
gostarei que você mostrasse um pouco da força que mostra diante de mim a seu
irmão e à sua mãe. Você diz que isso é insignificante, mas eu não creio. Eu
temo o hábito de “apertar-se” também em você, minha querida Martha. Um ser
humano deve manter a cabeça livre em todas as circunstâncias.
A
única característica que me é antipática em minha menina tão perfeita é,
precisamente, essa sua tendência a sacrificar tanto do seu ser em nome do
conforto e do aconchego, como diz o idioma dos Bernays. Isso me lembra, de
maneira muito dolorosa, de um horrível provérbio pronunciado por Minna: “Se
Martha estivesse sentada à janela e o mundo estivesse vindo abaixo ela diria:
‘Que pensa, eu estava tão acomodada.”’
Sem descanso
Desde
que eu ouvi essas palavras, elas têm me devorado por dentro e estou firmemente
decidido a não descansar enquanto ainda for capaz de encontrar um rastro sequer
disso em minha Martha.
Pode
responder com fúria, pois eu não vou voltar tão cedo à casa dos Bernays. Não me
agrada ver como, num lar tão preocupado com suas formalidades, o dono da casa
transgride impunemente as mínimas regras de convívio com sua total ausência de
restrições.
Você
permanece minha e vai se tornar como eu quero. Não se engane: Elise, Eli, Fritz
e todos os outros já estão mortos para sua sensibilidade. Você pertence
inteiramente a mim, e você já percebeu que não estou disposto a dividir você
com ninguém. Com cordiais saudações à doce amada,
Sigmund
De Martha para Freud
Sigmund
De Martha para Freud
Amado, malvado e querido
2.9.1882
Meu bom amado, melhor, desagradável, insuportável amigo, meu delicado, maleável tirano, meu Sigi!
Meu bom amado, melhor, desagradável, insuportável amigo, meu delicado, maleável tirano, meu Sigi!
Não
tenho como colocar um título nesta carta, pois eles estão todos sentados à
minha volta. Eli acaba de sair para ir ao centro da cidade, e eu estou
aproveitando os poucos minutos que ainda tenho antes de dormir para escrever
algumas palavras. Muito obrigado, prezado senhor doutor, por sua grande
atenção.
Como
o senhor foi capaz de adivinhar quem é o meu poeta predileto? Apenas tenho que
lhe confessar que não gosto de textos escritos no verso de fotografias, e que
seu estilo me pareceu um tanto grosseiro. Mas não é nada gentil dizer algo
assim a alguém...
Seja
como for, não tenho nenhuma má intenção, meu amado, único, doce, bom doutor.
Excetuando-se isso, estou bem satisfeita com seu estilo e talvez o senhor
precise ter um pouco mais de paciência com o meu. Imagine a que ponto eu fui
forçada a me superar: não perguntei nada a Eli, nem sobre você, nem sobre as
meninas, aliás, quase ainda não tivemos a oportunidade de ficar a sós, pois
sempre há um torvelinho terrível, tanta gente à nossa volta...
Mas
isso não importa porque sei de tudo sobre você, e em primeira mão. É terrível
não receber nenhuma carta sua, e talvez tenha sido um excesso de cautela meu,
mas, seja como for, vamos sobreviver a esses poucos dias e é melhor sermos
cautelosos do que arriscarmos tudo para satisfazer um pequeno desejo, não é
verdade, meu amado? (...)
Sentada sozinha
Se
eu penso em você, amado? Em todas as horas. Tive que ouvir reprovações e
perguntas urgentes de Eli, que queria saber por que eu sempre queria voltar
para casa, “se isso é uma infantilidade, uma tolice”, e se eu não estava me
divertindo. Que mamãe estava com saudades de mim e não querida confessá-lo era
algo que ele não queria ouvir. (...)
Boa
noite e pense na sua Martha! Ouviu?!
Meu
amado, você tem sido bem paciente, não é? Sempre que chego em casa me informo
exatamente sobre o seu comportamento – e quando ouço algo de ruim, me irrito
profundamente, isso eu lhe digo desde já.
Entrementes
todos os outros já foram se deitar e eu estou sentada sozinha, a grande folha
de papel de carta de meu bom tio está bem cheia, e agora ainda rapidamente
envio um beijo a você, meu amado, malvado e querido homem. (...)
(Traduções de Luis Krausz para a Revista Cult nº 161)
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