INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quarta-feira, 16 de abril de 2014

A PALAVRA E SEUS PODERES EM FREUD


Carrego meus primórdios num andor.
Minha voz tem um vício de fontes.
Eu queria avançar para o começo.
Chegar ao criançamento das palavras.
Lá onde elas urinam na perna...
 
Manoel de Barros (1996),
Um tratamento psíquico, da alma, afirma Freud em 1890, só é possível por meio das palavras, e desde que se devolva a elas o seu feitiço originário. A ação de palavras, seu poder e suas relações com a matéria, a produção e o tratamento da alma estão no cerne das preocupações de Freud desde 1890 até 1939. Neste trabalho retomamos em forma de notas alguns desses eixos. 
 “Você vai lá só para isso, só para falar?! Fale comigo, e faço isso (brincando) por um terço do preço de seu analista.” Comentário, surpresa e risos de leigos que ainda ressoam nos ambientes sociais de nosso tempo. “O leigo teria, certamente, dificuldades em entender como é possível eliminar distúrbios da mente e do corpo ‘tão-somente’ pelas palavras do médico” (Freud, 1890/2002). “Quer que eu acredite em mágica?”, pergunta atônito, o leigo de Freud. O leigo adivinhou, afirma Freud, pois as palavras de nosso cotidiano “não são outra coisa senão um feitiço que perdeu a sua eficácia”. Um “tratamento psíquico, tratamento da alma” (título desse artigo de 1890) consiste, justamente, em afetar a alma por meio de palavras, desde que a elas se devolva o seu poder originário de feitiço.
Nenhum de nós, pacientes e analistas experientes, escapa da surpresa desse poder mágico das palavras ao serem proferidas seja por nós, seja pelo outro. Um efeito que logo se esvai por detrás da consciência empírica do senso comum da vida da vigília. Episódios como “Falei coisas que jamais pensei em dizer” ou “O que você falou me tocou de tal modo” têm um efeito, por vezes, drástico e determinante para manter a análise em curso, ou outra relação qualquer. A mesma surpresa reemerge, do lado do analista, quando se dá conta do efeito de uma palavra que emitiu. Ação mágica das palavras que é facilmente detectável em crianças quando contestam com veemência – “Mas a minha mãe falou!” –, ou no adolescente – “Ela falou e com isso quebrou minhas pernas” –, sem esquecer que uma palavra do amante, ou do chefe, pode tanto transformar nosso estado de mente como levar alguns a loucura e outros ao suicídio.

Todo o esforço da nova ciência, segundo Freud, consiste em devolver às palavras o seu poder mágico. E esse poder, continua ele, se origina na psique, na alma. Não significa, necessariamente, que a alma é feita de palavras ou se estrutura como linguagem, como alguns diriam mais tarde, mas que talvez exista algo na alma que confira esse poder central às palavras. Cem anos mais tarde, André Green (1983) reforçou essa missão freudiana, com outras palavras, ao dizer que “cabe à análise tirar a palavra de seu luto”, desenlutá-la.

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