A "caixa da normalidade" está cada vez menor e a culpa é do
excesso de diagnósticos de doenças mentais, diz o psiquiatra americano Dale
Archer, autor do best-seller "Better than Normal", recém-lançado no
Brasil com o título "Quem Disse que É Bom Ser Normal?"
Archer, 57, é psiquiatra clínico desde 1987 e fundou um instituto de
neuropsiquiatria em Lake Charles, Louisiana (EUA). Em 2008, ele notou que havia
algo errado com os seus pacientes: a maioria dizia ter um transtorno mental e
precisar de remédios --só que eles não tinham nada.
"Estamos 'patologizando' comportamentos normais. E isso não é só
culpa da psiquiatria", disse Archer, à Folha, por telefone.
Um quarto dos adultos americanos têm uma ou mais doenças mentais
diagnosticadas, segundo o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA.
"Isso está errado. Há uma gama de comportamentos que não são doença."
Em um ativismo "pró-normalidade", Archer descreve oito traços
de personalidade comumente ligados a transtornos, como ansiedade, e afirma que
não há nada errado com essas características, a não ser que sejam muito
exacerbadas.
"O remédio tem que ser o último recurso, e não é o que eu vejo. As
pessoas entram em um consultório e saem com uma receita médica. A psicoterapia
é subestimada."
De outubro de 2012 a setembro de 2013, o mercado de antidepressivos e
estabilizadores de humor movimentou mais de R$ 2 bilhões no Brasil, segundo
dados da consultoria IMS Health. Nos últimos cinco anos, o número de unidades
vendidas desses remédios cresceu 61%.
Para Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de
Psiquiatria, os diagnósticos aumentaram, sim, mas da mesma forma como aumentou
os de outras doenças, de diabetes a câncer. "Isso é resultado da evolução
da medicina e da facilidade de acesso."
O mesmo pensa o psiquiatra Fabio Barbirato, da Santa Casa do Rio de
Janeiro. "Também aumentou o número de prescrições de insulina e
anti-hipertensivo. Isso ninguém questiona. Mas quando se fala de mente, da
psique, todos têm uma opinião", afirma.
Segundo Silva, o problema é o subdiagnóstico. Para ele, há mais
deprimidos sem tratamento do que pessoas sem depressão sendo tratadas.
Barbirato dá como exemplo o TDAH (transtorno do deficit de atenção e
hiperatividade). "O número de crianças com prescrição de remédios não chega
a 1,5% no Brasil, e a estimativa mais baixa de presença de TDAH no país é de
1,9%. Há crianças sem tratamento."
CRITÉRIO ANTIGO
Para a psicóloga Marilene Proença, professora da USP, a sociedade está
"medindo" as crianças com réguas antigas. "Os critérios de
diagnóstico de TDAH esperam uma criança que brinque calmamente, que levante a
mão para perguntar algo. Isso não condiz com o papel da criança na sociedade.
Ela está exposta a muitos estímulos e é tudo muito competitivo", diz.
Para a psiquiatra e psicanalista Regina Elisabeth Lordello Coimbra, da
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, as pessoas estão menos
tolerantes às emoções.
"Há pouco lugar para a tristeza. E a exaltação e excitação são
confundidas com felicidade. Vivemos de uma forma mais estimulante, na qual
emoções mais depressivas, reflexivas, não têm espaço."
De acordo com Silva, o que caracteriza a doença mental é a gravidade dos
sintomas. "Deixa de ser normal quando a pessoa tem prejuízo, quando está
tão triste que não consegue sair da cama."
Ele argumenta que "invariavelmente" encaminha os pacientes
para a psicoterapia. E garante: nem sempre eles saem do consultório com uma
receita médica.
Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/11/1366864-psiquiatra-diz-que-a-medicina-transformou-comportamentos-normais-em-doenca.shtml
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