INSTITUTO FREIDIANO DE ESTUDOS PSICANALÍTICOS

quarta-feira, 6 de março de 2013

Filosofia & Psicanálise



Mito do Eros

Não obstante este mito já ter sido descrito no capítulo "O vínculo do amor", creio que, pela sua importância e significação se justifica re­produzir com uma versão algo diferente. Neste conhecido mito, ao lado do amor, houve uma inveja e um sentimento de ciúme muito intenso por parte de Afrodite (em romano é conhecida como Vénus, deusa do amor), dirigido contra a grande e admirável beleza de Psique, de modo que, não suportando a inveja, Afrodite tramou uma forma de humilhar e estragar a vida da rival odiada.
Neste seu macabro ódio, Afrodite tentou usar o seu filho Eros, com a finalidade de que, através de alguma "seta do amor", ele flechasse al­gum homem, de última classe social, e que se encantasse perdidamente de amor por Psiquê, e que esta também ficasse num estado de encanta­mento.
Aconteceu, no entanto, que o "feitiço virou contra o feiticeiro", de sor­te que foi Eros quem ficou perdidamente apaixonado por Psiquê, a quem ele desposou, o que acarretou um maior desespero e ódio de Afrodite.
No entanto, Psiquê é a alma humana que não pode amar sem sofrei e fazer os seus enamorados também sofrerem, o que também aconteceu com Eros. Psiquê não sabia que o seu amante era o deus do amor; ele sc vinha visitá-la à noite e nunca a deixava ver o seu rosto. Instigada poi suas duas irmãs invejosas, Psiquê, numa noite, enquanto Eros dormia, aproxima uma lâmpada ao seu rosto. Fica deslumbrada com a beleza de Eros, reconhece-o como deus do amor, porém da lâmpada pinga uma gote de azeite fervente no rosto de Eros que desperta e desaparece imediata­mente, sem jamais voltar. Psiquê entra em desespero, chora sem cessar e resolve dirigir-se a Afrodite. Esta, ainda ressentida com Psiquê, faz dela e sua escrava e obriga-a a viver no meio da tristeza e da inquietação.
Com uma mediação de Zeus, Vénus (Afrodite) abranda o seu ressen­timento e vingança, e o Olimpo se rejubila e comemora, com um banquete esplêndido, o retorno da paz, não obstante Afrodite garanta que Psique seria de sua propriedade. Então, Eros volta a viver com ela, num verda­deiro hino ao amor e o casal tem uma filha, Volúpia. Em algumas versões deste mito Eros tinha um complemento ("uma outra parte dele") que. conforme a tradução, tanto é chamado de Imeros, quanto de Anteros, o qual se caracteriza por ser o deus do amor violento, de luxúria.
Esse mito também deixa claro o quanto o amor e o ódio cami­nham muito juntos. Mitos como esses aparecem em grande quantidade na mitologia greco-romana, onde o amor e o ódio se superpõem e se confundem.        


      A PSICANÁLISE

“....Em vez disso, tentarei utilizar o conceito de libido, que nos prestou bons serviços no estudo das psiconeuroses, a fim de lançar luz sobre a psicologia de grupo.
            Libido é expressão extraída da teoria das emoções. Damos esse nome à energia, considerada como uma magnitude quantitativa (embora na realidade não seja presentemente mensurável), daqueles instintos que têm a ver com tudo o que pode ser abrangido sob a palavra ‘amor’. O núcleo do que queremos significar por amor consiste naturalmente (e é isso que comumente é chamado de amor e que os poetas cantam) no amor sexual, com a união sexual como objetivo. Mas não isolamos disso — que, em qualquer caso, tem sua parte no nome ‘amor’ —, por um lado, o amor próprio, e, por outro, o amor pelos pais e pelos filhos, a amizade e o amor pela humanidade em geral, bem como a devoção a objetos concretos e a idéias abstratas. Nossa justificativa reside no fato de que a pesquisa psicanalítica nos ensinou que todas essas tendências constituem expressão dos mesmos impulsos instintuais; nas relações entre os sexos, esses impulsos forçam seu caminho no sentido da união sexual, mas, em outras circunstâncias, são desviados desse objetivo ou impedidos de atingi-lo, embora sempre conservem o bastante de sua natureza original para manter reconhecível sua identidade (como em características tais como o anseio de proximidade e o auto-sacrifício).
            Somos de opinião, pois, que a linguagem efetuou uma unificação inteiramente justificável ao criar a palavra ‘amor’ com seus numerosos usos, e que não podemos fazer nada melhor senão tomá-la também como base de nossas discussões e exposições científicas. Por chegar a essa decisão, a psicanálise desencadeou uma tormenta de indignação, como se fosse culpada de um ato de ultrajante inovação. Contudo, não fez nada de original em tomar o amor nesse sentido ‘mais amplo’. Em sua origem, função e relação com o amor sexual, o ‘Eros’ do filósofo Platão coincide exatamente com a força amorosa, a libido da psicanálise, tal como foi pormenorizadamente demonstrado por Nachmansohn (1915) e Pfister (1921), e, quando o apóstolo Paulo, em sua famosa Epístola aos Coríntios, louva o amor sobre tudo o mais, certamente o entende no mesmo sentido ‘mais amplo’. Mas isso apenas demonstra que os homens nem sempre levam a sério seus grandes pensadores, mesmo quando mais professam admirá-los.
            A psicanálise, portanto, dá a esses instintos amorosos o nome de instintos sexuais, a potiori e em razão de sua origem. A maioria das pessoas ‘instruídas’ encarou essa nomenclatura como um insulto e fez sua vingança retribuindo à psicanálise a pecha de ‘pansexualismo’. Qualquer pessoa que considere o sexo como algo mortificante e humilhante para a natureza humana está livre para empregar as expressões mais polidas ‘Eros’ e ‘erótico’. Eu poderia ter procedido assim desde o começo e me teria poupado muita oposição. Mas não quis fazê-lo, porque me apraz evitar fazer concessões à pusilanimidade. Nunca se pode dizer até onde esse caminho nos levará; cede-se primeiro em palavras e depois, pouco a pouco, em substância também. Não posso ver mérito algum em se ter vergonha do sexo; a palavra grega ‘Eros’, destinada a suavizar a afronta, ao final nada mais é do que tradução de nossa palavra alemã Liebe [amor], e finalmente, aquele que sabe esperar não precisa de fazer concessões.
            Tentaremos nossa sorte, então, com a suposição de que as relações amorosas (ou, para empregar expressão mais neutra, os laços emocionais) constituem também a essência da mente grupal. Recordemos que as autoridades não fazem menção a nenhuma dessas relações. Aquilo que lhes corresponderia está evidentemente oculto por detrás do abrigo, do biombo da sugestão. Em primeira instância, nossa hipótese encontra apoio em duas reflexões de rotina. Primeiro, a de que um grupo é claramente mantido unido por um poder de alguma espécie; e a que poder poderia essa façanha ser mais bem atribuída do que a Eros, que mantém unido tudo o que existe no mundo? Segundo, a de que, se um indivíduo abandona a sua distintividade num grupo e permite que seus outros membros o influenciem por sugestão, isso nos dá a impressão de que o faz por sentir necessidade de estar em harmonia com eles, de preferência a estar em oposição a eles, de maneira que, afinal de contas, talvez o faça ihnen zu Liebe.”......


Edição eletrônica de Freud
   CAP - IV - SUGESTÃO E LIBIDO


 


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