Mito do Eros
Não
obstante este mito já ter sido descrito no capítulo "O vínculo do
amor", creio que, pela sua importância e significação se justifica reproduzir
com uma versão algo diferente. Neste conhecido mito, ao lado do amor, houve uma
inveja e um sentimento de ciúme muito intenso por parte de Afrodite (em
romano é conhecida como Vénus, deusa do amor), dirigido contra a grande
e admirável beleza de Psique, de modo que, não suportando a inveja, Afrodite tramou
uma forma de humilhar e estragar a vida da rival odiada.
Neste seu macabro ódio, Afrodite tentou usar o seu
filho Eros, com a finalidade de que, através de alguma "seta do
amor", ele flechasse algum homem, de última classe social, e que se
encantasse perdidamente de amor por Psiquê, e que esta também ficasse num
estado de encantamento.
Aconteceu, no entanto, que o "feitiço virou
contra o feiticeiro", de sorte que foi Eros quem ficou perdidamente
apaixonado por Psiquê, a quem ele desposou, o que acarretou um maior desespero
e ódio de Afrodite.
No entanto, Psiquê é a alma humana que não pode amar
sem sofrei e fazer os seus enamorados também sofrerem, o que também aconteceu
com Eros. Psiquê não sabia que o seu amante era o deus do amor; ele sc vinha
visitá-la à noite e nunca a deixava ver o seu rosto. Instigada poi suas duas
irmãs invejosas, Psiquê, numa noite, enquanto Eros dormia, aproxima uma lâmpada
ao seu rosto. Fica deslumbrada com a beleza de Eros, reconhece-o como deus do amor, porém da lâmpada pinga uma gote de azeite fervente no
rosto de Eros que desperta e desaparece imediatamente, sem jamais voltar.
Psiquê entra em desespero, chora sem cessar e resolve dirigir-se a Afrodite. Esta, ainda ressentida com Psiquê, faz dela e sua
escrava e obriga-a
a viver no meio da tristeza e da inquietação.
Com uma mediação de Zeus, Vénus (Afrodite) abranda o
seu ressentimento e vingança, e o Olimpo se rejubila e comemora, com um
banquete esplêndido, o retorno da paz, não obstante Afrodite garanta que Psique
seria de sua propriedade. Então, Eros volta a viver com ela, num verdadeiro
hino ao amor e o casal tem uma filha, Volúpia. Em algumas versões deste mito
Eros tinha um complemento ("uma outra parte dele") que. conforme a
tradução, tanto é chamado de Imeros, quanto de
Anteros, o qual se caracteriza por ser o deus do amor violento,
de luxúria.
Esse mito também deixa claro o quanto o amor e o ódio
caminham muito juntos. Mitos como esses aparecem em grande quantidade na
mitologia greco-romana, onde o amor e o ódio se superpõem e se confundem.
“....Em
vez disso, tentarei utilizar o conceito de libido, que nos prestou bons
serviços no estudo das psiconeuroses, a fim de lançar luz sobre a psicologia de
grupo.
Libido
é expressão extraída da teoria das emoções. Damos esse nome à energia,
considerada como uma magnitude quantitativa (embora na realidade não seja
presentemente mensurável), daqueles instintos que têm a ver com tudo o que pode
ser abrangido sob a palavra ‘amor’. O núcleo do que queremos significar por
amor consiste naturalmente (e é isso que comumente é chamado de amor e que os
poetas cantam) no amor sexual, com a união sexual como objetivo. Mas não
isolamos disso — que, em qualquer caso, tem sua parte no nome ‘amor’ —, por um
lado, o amor próprio, e, por outro, o amor pelos pais e pelos filhos, a amizade
e o amor pela humanidade em geral, bem como a devoção a objetos concretos e a
idéias abstratas. Nossa justificativa reside no fato de que a pesquisa
psicanalítica nos ensinou que todas essas tendências constituem expressão dos
mesmos impulsos instintuais; nas relações entre os sexos, esses impulsos forçam
seu caminho no sentido da união sexual, mas, em outras circunstâncias, são
desviados desse objetivo ou impedidos de atingi-lo, embora sempre conservem o
bastante de sua natureza original para manter reconhecível sua identidade (como
em características tais como o anseio de proximidade e o auto-sacrifício).
Somos
de opinião, pois, que a linguagem efetuou uma unificação inteiramente
justificável ao criar a palavra ‘amor’ com seus numerosos usos, e que não
podemos fazer nada melhor senão tomá-la também como base de nossas discussões e
exposições científicas. Por chegar a essa decisão, a psicanálise desencadeou
uma tormenta de indignação, como se fosse culpada de um ato de ultrajante
inovação. Contudo, não fez nada de original em tomar o amor nesse sentido ‘mais
amplo’. Em sua origem, função e relação com o amor sexual, o ‘Eros’ do filósofo
Platão coincide exatamente com a força amorosa, a libido da psicanálise, tal
como foi pormenorizadamente demonstrado por Nachmansohn (1915) e Pfister
(1921), e, quando o apóstolo Paulo, em sua famosa Epístola aos Coríntios, louva
o amor sobre tudo o mais, certamente o entende no mesmo sentido ‘mais amplo’.
Mas isso apenas demonstra que os homens nem sempre levam a sério seus grandes
pensadores, mesmo quando mais professam admirá-los.
A
psicanálise, portanto, dá a esses instintos amorosos o nome de instintos
sexuais, a potiori e em razão de sua origem. A maioria das
pessoas ‘instruídas’ encarou essa nomenclatura como um insulto e fez sua
vingança retribuindo à psicanálise a pecha de ‘pansexualismo’. Qualquer pessoa
que considere o sexo como algo mortificante e humilhante para a natureza humana
está livre para empregar as expressões mais polidas ‘Eros’ e ‘erótico’. Eu
poderia ter procedido assim desde o começo e me teria poupado muita oposição. Mas
não quis fazê-lo, porque me apraz evitar fazer concessões à pusilanimidade.
Nunca se pode dizer até onde esse caminho nos levará; cede-se primeiro em
palavras e depois, pouco a pouco, em substância também. Não posso ver mérito
algum em se ter vergonha do sexo; a palavra grega ‘Eros’, destinada a suavizar
a afronta, ao final nada mais é do que tradução de nossa palavra alemã Liebe
[amor], e finalmente, aquele que sabe esperar não precisa de fazer
concessões.
Tentaremos
nossa sorte, então, com a suposição de que as relações amorosas (ou, para
empregar expressão mais neutra, os laços emocionais) constituem também a
essência da mente grupal. Recordemos que as autoridades não fazem menção a
nenhuma dessas relações. Aquilo que lhes corresponderia está evidentemente
oculto por detrás do abrigo, do biombo da sugestão. Em primeira instância,
nossa hipótese encontra apoio em duas reflexões de rotina. Primeiro, a de que
um grupo é claramente mantido unido por um poder de alguma espécie; e a que
poder poderia essa façanha ser mais bem atribuída do que a Eros, que mantém
unido tudo o que existe no mundo? Segundo, a de que, se um indivíduo
abandona a sua distintividade num grupo e permite que seus outros membros o
influenciem por sugestão, isso nos dá a impressão de que o faz por sentir
necessidade de estar em harmonia com eles, de preferência a estar em oposição a
eles, de maneira que, afinal de contas, talvez o faça ‘ihnen zu Liebe‘.”......
Edição eletrônica de Freud
CAP - IV -
SUGESTÃO E LIBIDO
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